Por Tania Almeida*

Metaskills: Five Talents for the Future of Work
Marty Neumeier

 

Neste ano em que o MEDIARE faz 25 anos, passo a compartilhar com os leitores de Leia Comigo *resenhas não acadêmicas de livros e artigos que me passaram pelas mãos e pelos olhos, sem estreita ligação com o ato de facilitar diálogos, como nas publicações anteriores. Em 2022, as obras tratadas aqui serão focadas em habilidades e competências humanas entendidas como úteis em situações de tomada de decisão.

A dedicação inicial ao tema tomada de decisão visava ao aprimoramento do meu conhecimento no campo da construção de consenso e das soluções de benefício mútuo que caracterizam a Mediação. A exploração desse assunto ampliou meu espectro de interesse quando comecei a ler sobre habilidades e competências requeridas pelo cenário contemporâneo, na convivência – a era de acelerada velocidade das mudanças, do encurtamento da vida média das ideias, da diversidade e da sobrevivência sustentada pelas parcerias e pela colaboração… a era dos algoritmos, que têm nos ajudado com atividades mecânicas e repetitivas.

Como consequência natural cheguei às lideranças corporativas (ou institucionais), atores dedicados, diuturnamente, a negociações e a tomadas de decisão solo ou em colegiado. Assim me aproximei do que venho chamando de soft skills, expressão herdada da computação eletrônica, como demonstram as primeiras publicações sobre o tema, que importam o termo para se referir a habilidades comportamentais.

Também nomeadas como Human Skills por Simon Sinek, etnógrafo dedicado a pensar lideranças corporativas, algumas dessas habilidades são identificadas por Marty Neumeier como habilidades metacognitivas e estão reunidas na obra Metaskills – five talents for the future of work, objeto dessa resenha.

Marty nos alerta para mandatos da era contemporânea, como o da inovação, não somente tecnológica, mas também de talentos pessoais. Uma era que vislumbra um futuro de decolagem vertical e não mais em diagonal, como a era industrial estava acostumada a presenciar. Com a missão de trazer os princípios e processos do design para o business, a mente do autor, que é também designer, nos aponta para cinco desses talentos: feeling, seeing, dreaming, making, learning.

Vamos à síntese:

Feeling – considere o diferencial positivo que a emoção confere às habilidades interativas/comportamentais.

Marty pondera que a emoção, anteriormente desprezada pela era industrial porque atrapalhava o julgamento e a eficiência, ganhou lugar vital e de honra quanto mais nos aproximamos da era robótica. Presença permanente em qualquer das nossas ações, ideias ou pensamentos, a emoção, como corrobora a Neurociência, interfere em nossas percepções e tomadas de decisão, por sua vez filtradas por nossas crenças e modelos mentais.

Ou seja, nosso olhar está sempre enviesado pela nossa construção social. No entanto, é a emoção, nosso diferencial com relação às soluções algorítmicas, quem libera a criatividade (liberdade para pensar fora da caixa), além de ser o centro do aprendizado e da intuição (expressão atualizada de nossas experiências), assim como da empatia (consideração com as particularidades do outro com quem interagimos).

Marty pondera que as habilidades estéticas, aquelas permeadas pela emoção, se distanciam das visões cartesianas de certo e errado e passam a usar as categorias melhor e pior, considerando sempre as particularidades do objeto da intervenção – o impacto/experiência que se provocará no outro, a quem as intervenções se dirigem/destinam.

Seeing – veja o mundo sistemicamente. Seu olhar será mais amplo e contemplará de forma mais abrangente as questões complexas.

Se adotamos a visão sistêmica em lugar da cartesiana (que trabalha com a equação linear causa/efeito e com as categorias certo/errado), nossa forma de ver o mundo e de pensar e, por consequência, de agir incluirá uma multiplicidade de causalidades e de fatores que interagem entre si e se potencializam, tornando nossa análise das situações e tomadas de decisão mais amplas e mais complexas.

O pensamento sistêmico é integrativo, não excludente. Trabalha com um mosaico de peças, simultaneamente, uma interferindo e afetando as outras (interdependência sistêmica). Nesse cenário não há escolha entre opostos, uma vez que essa modalidade de tomada de decisão não funciona para questões complexas. Nas questões complexas, a permanência dos paradoxos força a mente a buscar por novas respostas e incita a criatividade. O assujeitamento à tirania do “OU” (either/or) cartesiano dá lugar ao conforto inclusivo do “E” sistêmico e à harmonização de diferenças, em lugar da competição entre elas.

Dreaming – acredite, a criatividade não nasce da fidelidade ao conhecido.

Para Marty, dreaming resulta da junção do conhecimento com a força da imaginação. A originalidade na tomada de decisão vem dessa conversa, da construção de hipóteses, da ampliação de alternativas, do questionamento do mindset vigente. Para o autor, os sonhos não nos visitam, nós os criamos de forma inconsciente, especialmente quando nos distanciamos de narrativas lógicas e do pensamento cartesiano. Para inovar em soluções e em atitudes, é preciso se mover do conhecido para o desconhecido, do binômio certo/errado. Pensar fora da caixa, expressão muitas vezes mencionada, mas sem sempre praticada.

Makingdesenhe e teste (utilize to make, que tem a ver com criar, antes de to do, que tem a ver com realizar), e corrija enquanto faz.

Para traduzir a ideia de making, Marty recorre à metodologia de Da Vince: pensar no detalhe, incluir e excluir antes de finalizar a pintura; e também ao pensamento de Donald Schön, que em seu livro Educando o Profissional Reflexivo nos brinda com o conceito de reflexão em ação – enquanto se executa algo, se avalia, permanentemente, a necessidade de adequação, de correções. Como se fôssemos um timoneiro que corrige o leme durante todo o tempo em que conduz a embarcação, considerando as mudanças imprevisíveis (ou pouco previsíveis) do cenário – ventos, maré etc…

Marty nos afirma que o ato de fazer não é executivo e, sim, reflexivo. Pondera que simplicidade e complexidade não estão em oposição, não são conceitos contrários e propõe o combo: simplexity. Ou seja, avaliar a complexidade, mas descrevê-la em poucas e simples palavras, tornar simples mesmo considerando a complexidade. O autor lança outro vocábulo, unclude, que diferente de incluir (include) ou excluir (exclude), vai na linha de retirar os excessos.

Learning domine um conhecimento que outros não possuem, seja autodidata, desaprenda e reaprenda.

Marty afirma que se pode construir novos skills movidos pela paixão ou pelo especial interesse por algo. Isso aguça a nossa criatividade e estimula conhecer mais amplamente o que já conhecemos, pois ao dominar um saber podemos oferecer algo que outros não oferecem. É uma sobreposição positiva e complementar que pode articular aquilo que o cenário/contexto precisa com o que se pode disponibilizar com valor diferenciado em relação aos demais.

Para Marty Neumeier, a meta de trazer para o business princípios e processos do design, sua profissão de origem, reuniu um conjunto de cinco talentos que o autor considera passíveis de fazerem diferença no futuro do cenário de trabalho:

  • incluir a emoção como diferencial positivo na interação com o outro (habilidade socioemocional);
  • pensar e atuar sistemicamente, considerando sempre um mosaico de fatores complementares e simultâneos;
  • acreditar que repetir o que já conhecemos nos distancia da criatividade e da inovação;
  • testar antes de implementar, corrigindo e adequando as ações ao que se apresenta; e
  • construir um saber diferenciado para o que já se conhece e faz.

Esses talentos interagem entre si e ampliam o quadro de habilidades técnicas exigidas pela era industrial e que compõem os currículos que o mundo corporativo vinha prestigiando e dando primazia.

Não à toa, Marty chama essas habilidades de human skills, nos lembrando que elas já fazem parte de nós, mas vinham sendo deixadas em segundo ou terceiro plano pelo pensamento mecanicista. Desaprender o perceber e o agir pautados no modelo prestigiado por Descartes e inovar também no campo das habilidades, tanto quanto no campo da tecnologia, ficam aqui como provocações do autor.

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Metaskills: Five Talents for the Future of Work
Marty Neumeier
312 páginas

 

* Tania Almeida – Mestre em Mediação de Conflitos e Facilitadora de Diálogos entre pessoas físicas e/ou jurídicas. Há 41 anos desenha e coordena processos de diálogo voltados ao mapeamento, à prevenção de crises, à administração de mudanças e à resolução de conflitos. É idealizadora e fundadora do Sistema MEDIARE, um conjunto de três entidades dedicadas ao diálogo – pesquisas, prestação de serviços, ensino e projetos sociais.