Por Tania Almeida*

Um cenário de curiosidade sobre o outro. Uma curiosidade infantil, virgem de informação, que se encanta com tudo o que descobre e com o que julga entender.

Thomas Kuhn, o cientista que cunhou a expressão paradigma, diz que adultos não possuem essa natureza de curiosidade. Estão sempre confirmando hipóteses sobre o mundo e sobre o outro, e registrando nesses encontros tudo o que ratifica sua hipótese, deixando de ver o que com ela não guarda coerência. Assim atuando, as novidades sobre o mundo e sobre o outro deixam de ser registradas pela percepção. Cegueira paradigmática, diz Kuhn.

Uma pena, porque o diálogo é também um cenário de aprendizado sobre o outro e com o outro, se ambos puderem resgatar sua curiosidade infantil.

É uma oportunidade de rever pontos de vista, de revisitar o próprio texto e nele colocar algumas vírgulas, criar e retirar parágrafos, aditar e remover palavras, trocar expressões de lugar. Se assim pudermos tratar as conversas, criamos um cenário que faz emergir novos e compartilhados significados. Base da comunicação efetiva.

Um grupo no MIT – Massachusetts Institute of Technology, liderado por William Isaacs, fala do diálogo como a arte de pensar junto. E para pensar junto nos orienta que seria necessário atender a algumas premissas de expressão e de escuta.

Para ser realmente ouvido um interlocutor necessitaria ser claro no que se diz. E clareza implicaria também em falar com o outro, no idioma (no sentido metafórico) que o outro entendesse. Parece que não temos esse cuidado. Usamos o nosso jeito de dizer como se fosse universal, sem estarmos atentos a quem está à nossa frente.

Mas, somente a clareza sem o cuidado na forma de embalar a mensagem, não seria suficiente. Todas as mensagens precisariam estar embrulhadas para presente. Mesmo as de duro conteúdo. Se não embrulhamos nossas comunicações para presente, o outro não chega a fazer contato com o conteúdo. Embrulhadas em espinhos, mensagens são recusadas sem que a informação que veiculam seja sequer avaliada. E lá se vai, sem sucesso, a nossa nobre intenção de ser ouvido. O bebê e a água do banho vertem juntos pelo ralo. A informação preciosa e sua embalagem contundente são perdidas.

Para realmente entender aquele que se esforçou em cuidar da forma e do conteúdo, seria também necessário ouvir com empatia, considerando os pontos de vista diferentes dos nossos como possiblidade. Ouvir com empatia significa se colocar com a idade que o outro tem, visitando sua construção social, seu momento de vida. Ouvir o outro desde o próprio referencial seria exercitar juízo crítico e não escuta empática.

Aqui, na escuta empática, o verbo a ser conjugado não é concordar e sim aceitar, admitir.

O jogo da argumentação e da contra argumentação ao qual estamos acostumados não se origina de uma escuta empática e sim de uma escuta atenta o suficiente para já ir construindo uma ideia distinta que possa derrubar o argumento e seu autor. É uma ciranda de desqualificação mútua, em que a ideia do outro é desmerecida e substituída por outra de aparente maior precisão, valor, legitimidade. O exercício da advocacia pede destreza nessa qualidade de escuta para que o objetivo de sair vencedor seja alcançado. Essa natureza de troca de ideias não aproxima. Afasta.

Forma e conteúdo cuidados, escuta empática e inclusiva praticadas, completa-se a tríade do diálogo produtivo com o apreço pela diferença. Sim, caro dialogante, diz Isaacs: ideias diferentes das suas são a norma. Se não houver de sua parte admissão para a diferença, ou melhor, algum encantamento por aprender com ela, o diálogo não acontece.

Se ao sair da conversa ou da reunião, após muito preparo para compartilhar seu ponto de vista, e até para responder eventuais perguntas, sua ideia original estiver intacta, você não esteve em diálogo. Sentencia Isaacs. Você esteve em uma exposição de motivos. Parabéns por isso, se foi esse seu objetivo! Não se deixar tocar pelo ponto de vista do outro.

Os teóricos da comunicação insistem em nos dizer que nossa interlocução com o outro é bastante complexa e sempre ruidosa. Acreditamos que o outro entendeu o que se disse ou fez, assim como acreditamos ter compreendido o outro de igual forma. A distância entre a intenção de um interlocutor e a interpretação do outro é abissal, e raramente os interlocutores alcançam atribuir o mesmo significado às suas falas e ações. Como o relógio não para e muito temos a fazer, seguimos sem oferecer perguntas de esclarecimento e resumos que visem checar nosso entendimento, acreditando que entendemos o outro e nos fizemos entender. Um curso de ações se segue, mesmo sem termos construído um significado comum em nossa comunicação. Ruídos!

Quando os ruídos ficam aparentes, tendemos a acreditar que difíceis são os outros. Os adjetivos depreciativos brotam com facilidade e não nos damos conta de que só surgem assim tão assertivos porque estamos utilizando o nosso referencial para mais uma vez interpretar o outro. Adjetivos não dizem respeito ao outro. Adjetivos dizem respeito aos nossos parâmetros de análise (que não são universais). Como nossos parâmetros veem ou leem o outro.

Os diálogos que criam ou checam significados comuns precisam estar mais presentes em nosso cotidiano, se desejarmos estar mais próximos uns dos outros. Se acreditarmos na máxima de que tudo se dá na relação com o outro, esse deveria ser o nosso maior objeto de cuidado e de investimento. Fica o convite!

 

*Diretora do MEDIARE. Atua como terceiro, mapeando, desenhando e conduzindo processos de diálogo que visem ao entendimento ou ao consenso.

 

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