Por Tania Almeida*

Talvez por ser antropólogo, William Ury sempre me surpreendeu pela capacidade de construir ideias e fazer reflexões que expressem a interação humana no mundo das negociações. Na linha da atenção à humanidade, Ury afirma que nossos temores são nossos maiores obstáculos a dizer Não de maneira bem-sucedida. Ceder e calar surgem frente ao medo e à culpa, enquanto o combate reativo coloca em ação a nossa raiva. Talvez, identificando uma boa fundamentação para sustentar o nosso Não e para fazê-lo compreensível para o outro, nem medo, nem culpa, nem raiva precise embasar nossas ações.


O
Poder do Não Positivo e sua meta de poder dizer Não, cuidando da relação e, ao mesmo tempo, da sustentação de um Não bem fundamentado, é exemplo inconteste de como o momento mais tenso de um processo negocial – o ato de recusar algo proposto pelo outro – pode vir embalado em cuidado e, algumas vezes, mostrando, inclusive, benefícios para todos os negociadores à mesa. Sensacional!


As mais expressivas dicas do autor e seus fundamentos

Essa é outra boa surpresa nas obras de Ury: sempre fundamentar atitudes ou intervenções, tomando o outro em consideração, em prol da boa negociação. Porque são muitas as contribuições do autor para esse campo, selecionei algumas, por vezes tão encarnadas em nossas práticas como mediadores ou negociadores, que funcionam como ‘as melhores frases’ que usualmente são selecionadas de grandes autores da história.

Vamos começar pela sequência que dá título ao livro: (i) desvende o seu Sim; (ii) confira poder ao seu Não; (iii) respeite o caminho para a aceitação de seu Não.

(i) Desvende o seu sim – um Não positivo nunca dá início à conversa. Para que um Não possa ter escuta precisamos ser proativos e não reativos. Precisamos, olhando da varanda (go the balcony), expressão consagrada por Ury, e tendo nossas emoções sob controle, desvendar, primeiramente, o porquê do nosso Não. Conhecer o meu Sim aos interesses, necessidades e valores que embasam o meu Não me leva ao que quero preservar, assim como a conhecer as intenções que sustentam a construção do meu Não.

Desvendando o meu Sim, ganho um senso de direção (aonde ir e onde não ir) e energia (força psíquica) para ancorar o meu Não em algo positivo. Assim inicio o meu Não para o outro, pelo que quero preservar de positivo: porque quero manter nossa amizade… porque desejo permanecer imparcial… porque quero ter liberdade nessa situação…, digo Não. Esse seu Sim inicial cumprirá dois propósitos: afirmar sua intenção ao dizer Não e oferecer ao outro o embasamento, a motivação do seu Não.


(ii)
Confira poder ao seu Não – para sustentar o seu Não, ele não deve ter caráter punitivo e sim o poder de proteger seus interesses, necessidades e valores. Se o outro aceitar o seu Não, ótimo, respeitará com você o que embasa o seu Não. Se não aceitar o seu Não, sua BATNA (Best Alternative To a Negotiated Agreement), seu plano B, é sua capacidade de atender seus interesses, necessidades e valores, independentemente de o outro aceitar respeitá-los. Por isso seu Não precisa estar bem embasado em Sins que você quer preservar, alcançar.


(iii) Respeite o caminho para a aceitação de seu Não
– como preparar o outro para aceitar o seu Não? Resposta simples: tratando-o com dignidade. Como não tratar o outro com dignidade? Rejeitando ou desqualificando o pleito que ele também possui. Assim fazendo, você fechará os ouvidos do seu interlocutor à sua mensagem, e de sobra poderá assistir a pior e a mais destrutiva de suas reações, comprometendo o relacionamento entre vocês. Pronto, você conheceu o Poder do Não Negativo.


O respeito ao outro funciona em benefício próprio. Desta forma, ouvi-lo com atenção, para entender, também, seus interesses, necessidades e valores, e não para refutá-los, faz parte do respeito mútuo que ambos desejam ver efetivado na negociação. O cuidado com as palavras, a ausência de cobrança, de categorização negativa (adjetivos depreciativos) ou de julgamento são fundamentais para manter o respeito à mesa. As perguntas de esclarecimento, o reconhecimento e acolhimento do ponto de vista do outro são mais do que bem-vindos, são necessários.

Destacar interesses e padrões compartilhados, confirmam uma base positiva de valores ou propósitos comuns. E se ambos puderem ser beneficiados pelo seu Não, conseguimos a cereja do bolo! 

Portanto, quando um Não ao outro precisa integrar uma negociação será boa prática atender a sequência acima, além de cuidar para que o seu Não positivo não finalize a conversa. A comunicação deverá ser encerrada com um convite a um resultado positivo. Como diz Ury: ao fechar uma porta, abra outra. Ofereça uma terceira opção, invente opções para ambos saírem ganhando, mire possibilidades futuras. Quer um exemplo simples? Lá vai: porque estou muito comprometida com a revisão do meu livro, Não consigo, nesse momento, atuar como palestrante no evento que você organiza, mas estarei atenta às próximas oportunidades que puder identificar, especialmente porque são sempre ocasiões de troca de aprendizado.

Ury finaliza o livro com um toque de CNV – Comunicação Não Violenta, sugerindo que quando os Nãos disserem respeito a comportamentos poderão se apresentar acompanhados de uma indicação construtiva do que melhor lhe atenderia em termos relacionais, desde que seja um pedido viável, respeitoso e positivamente enunciado.

E se o outro não aceitar o seu Não, vá até à varanda (olhe a situação como observador atento e respeitoso) e use o poder de não reagir negativamente, mas mantendo o seu Não muito bem apoiado em seus interesses, necessidades e valores. E lembre-se do plano B: respeitar o seu não independentemente de o outro não se dispor a aceitá-lo.

Ao final, atue de forma que ambos sintam-se respeitados e legitimados. Conclua a situação em tom positivo e cuidadoso. Lição aprendida!

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O Poder do não Positivo. Como Dizer não e Ainda Chegar ao Sim
, de
William Ury
Editora Elsevier; 1ª edição (12 fevereiro 2007)
264 páginas

 

Em nossa próxima conversa quero compartilhar as reflexões surgidas da leitura de Negotiating at an Uneven Table – a practical approach to working with difference and diversity, uma obra icônica de Phyllis Beck Kritek, no suporte do trabalho com mesas desbalanceadas em poder.

* Tania Almeida – Mestre em Mediação de Conflitos e Facilitadora de Diálogos entre pessoas físicas e/ou jurídicas. Há 40 anos desenha e coordena processos de diálogo voltados ao mapeamento, à prevenção de crises, à administração de mudanças e à resolução de conflitos. É idealizadora e fundadora do Sistema MEDIARE, um conjunto de três entidades dedicadas ao diálogo – pesquisas, prestação de serviços, ensino e projetos sociais.

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