Por Tania Almeida*

Com data de publicação de 2015, William Ury, coautor de ‘Como chegar ao SIM, sem fazer concessões’, e cofundador do Harvard Negotiation Project, nos encanta com mais uma metodologia voltada à negociação. Desta vez, após anos de prática, chega à contundente conclusão que nós somos as pessoas mais difíceis em uma negociação, os nossos maiores adversários. Norteado por essa crença, Ury sugere levantarmos pela manhã e olhar no espelho com a seguinte pergunta: como você cuidará de si próprio, visando contribuir para melhor administrar o seu dia e as naturais negociações que o cotidiano impõe? Ele transformou esse questionamento em uma prática diária e nos convida a fazer o mesmo.

O autor e antropólogo chama a atenção para o fato de sabotarmos os nossos próprios interesses com reações e mentalidade hostil ‘ganha-perde’, sustentada pelo senso de escassez que nos leva a praticar o pressuposto de que só uma das partes deve sair vitoriosa em uma negociação. Mudar essa ótica pode desconstruir nosso maior obstáculo, que nos impede de alcançar o que almejamos, transformando-o em nossa maior oportunidade – nos influenciar antes de influenciar o outro está na base desta proposta.

O livro “Como chegar ao SIM com você mesmo” traz inúmeros casos-exemplo, a maioria com personagens públicos que conhecemos, começa e finaliza destacando a negociação do administrador e empresário brasileiro Abílio Diniz com seus sócios, ocorrida em quatro dias com a ajuda de Ury, após dois anos e meio de litígio, duas arbitragens e um processo judicial.

O que desfez o imbróglio, revela Ury, foi trabalhar com Abílio o SIM com ele mesmo, a partir da resposta à pergunta: o que você mais quer na vida neste momento? “Liberdade… para estar com a família e realizar meus sonhos e novos negócios” foi a resposta. Focar nesse objetivo relativizou qualquer eventual perda, ou percepção de perda na negociação, e fez fluir o diálogo.

O método

Para darmos conta de nos influenciar antes de influenciarmos o outro, Ury convida a seis passos que devem ser observados diuturnamente, não somente visando as negociações, mas, em especial, a convivência com todo o nosso entorno.

  1. Coloque-se no seu lugar – ouvindo com empatia suas necessidades básicas, como faria com um cliente, parceiro de trabalho ou pessoa cara de seu relacionamento.
  2. Desenvolva sua BATNA (Best Alternative to a Negotiated Agreement ou a “Melhor Alternativa a um Acordo”) interior – não culpe ou responsabilize o outro. Assuma o compromisso de cuidar dos próprios interesses independentemente do que outros façam ou deixem de fazer. Torne-se responsável por sua vida e por seus relacionamentos.
  3. Reenquadre seu panorama – não se deixe tomar pelo medo da escassez vendo no outro um competidor. Crie suas próprias fontes de satisfação, independentes e autossuficientes, mesmo frente a adversidades.
  4. Mantenha-se no presente – o momento presente é o único em que você pode experimentar satisfação e também o único em que você pode mudar uma situação (para melhor).
  5. Respeite os outros – não seja reativo. Surpreenda o outro com respeito e inclusão, mesmo que ele lhe ofereça desrespeito e exclusão.
  6. Saiba dar e receber – mude o jogo para que todos ganhem, e dê algo antes mesmo de receber.

William Ury mostra que com os dois primeiros passos acima, dizemos SIM para nós mesmos. Com o terceiro e o quarto, dizemos SIM para a vida. E com os dois últimos, dizemos SIM para o outro. É como se cada SIM abrisse caminho para o seguinte. Não é sensacional?

Os impactos positivos e naturais de Boas Práticas

O impacto maior, segundo Ury, diz respeito à forma de estar na vida, revendo paradigmas e startando mudanças a partir de nós.

A seguir, compartilho impactos específicos que cada passo do método viabiliza:

  1. Do autojulgamento ao autoconhecimentocolocar-se no seu lugar viabiliza esclarecer o que queremos, o que acaba nos ajudando a nos colocarmos também no lugar do outro e legitimar suas necessidades. O convite é irmos ao camarote (metáfora recursivamente utilizada por Ury) e olharmos nossas próprias ações (e reações) de fora da cena. Sermos pesquisadores de nós mesmos em direção ao autoconhecimento, reduzindo o autojulgamento e, por consequência, o julgamento do outro. Impacto? Uma escuta mais empática para as nossas necessidades e para as necessidades do outro
  2. Da culpa à responsabilidadedesenvolver sua BATNA interior implica em abdicar do benefício de atribuir culpa a alguém e nos tornar inocentes. Junto com o autoconhecimento, viabilizado pelo primeiro passo do método, viria a autorresponsabilidade pelos relacionamentos e pelas ações. Quanto mais necessitamos do outro para atender nossas necessidades mais poder conferimos a ele/ela. Impacto? Exercitarmos a potência do protagonismo e o senso de liberdade.
  3. Da hostilidade à cordialidade – reenquadrar seu panorama incita a trocar a moldura das cenas e fazê-las mais favoráveis a nós e ao outro. A capacidade de conferir interpretações e significados é uma liberalidade nossa e da nossa responsabilidade. Fica então o convite para transformarmos competição em colaboração, adversariedade em oportunidade, inimigos em aliados. Impacto? Mudar a moldura viabiliza mudar o jogo, as atitudes, as ações – está em nós a capacidade para construir molduras que despertem e utilizem o melhor de nossas competências.
  4. Da resistência à aceitação – manter-se no presente possibilita identificar uma lista de iniciativas (práticas) que cada um pode dar conta no exato momento da conversa, em atendimento ao outro. Possibilita explorar a oportunidade presente para adotar ações construtivas. Ury confessa ter aprendido com seu colega e mentor Roger Fisher o poder dessa intervenção. Revela que era pergunta usual no trabalho de Fisher: “quem pode fazer o quê hoje, para conduzir esse conflito rumo a uma solução?” Impacto? Está no presente a oportunidade para fazermos diferente, para usar nossa criatividade, identificar oportunidades, aceitar o passado e construir um futuro melhor.
  5. Da exclusão à inclusão – respeitar os outros é a concessão mais barata que se pode fazer, diz Ury. O ciclo da destruição mútua se interrompe com a oferta de tratar com dignidade o outro, por ser esse um direito de todos os seres humanos. Nos colocarmos no lugar do outro e entender suas razões, talvez seja a motivação necessária para lhe oferecermos respeito, a despeito do tratamento recebido. Aliás, essa é a primeira regra da negociação de reféns – preservar a cordialidade, dando oportunidade de fala ao sequestrador e atenção ao seu ponto de vista. Impacto? Transformar exclusão em inclusão, viabilizando construir com o outro, mesmo que adversário, uma solução.
  6. De ‘ganha-perde’ para ‘ganha-ganha-ganha’ – saber dar e receber, antecipando o dar ao receber nos tira da sala de espera, da expectativa de o outro ser aquele que faz o primeiro movimento. E também nos distancia da sedução de batalharmos por melhores resultados para nós em lugar de criar valor para ambos na negociação. Dedicar igual assertividade às necessidades de todos nos leva em direção ao benefício mútuo. Impacto? Vitória para nós, para o outro e para o contexto/entorno – ‘ganha-ganha-ganha’.

Ury finaliza o livro desejando que as reflexões promovidas transcendam nossa eficácia ao negociar com os outros e nos levem a uma satisfação interior pela mudança de atitudes que o método propõe, repercutindo positivamente em nossos relacionamentos diários.

Que estes também ganhem com a implementação do cuidado proposto pelo SIM conosco mesmo!

Fica então já agendado o nosso próximo encontro, quando conversaremos sobre “Quando a maioria não basta – método de negociação coletiva para a construção de consenso”, de Larry Susskind, Jeffrey Cruikshank e Yann Duzert. Até lá!

 

blankComo chegar ao SIM com você mesmo – o primeiro passo em qualquer negociação, conflito ou conversa difícil, de William Ury

144 páginas

 

 

 

 

* Tania Almeida – Mestre em Mediação de Conflitos e Facilitadora de Diálogos entre pessoas físicas e/ou jurídicas. Há 40 anos desenha e coordena processos de diálogo voltados ao mapeamento, à prevenção de crises, à administração de mudanças e à resolução de conflitos. É idealizadora e fundadora do Sistema MEDIARE, um conjunto de três entidades dedicadas ao diálogo – pesquisas, prestação de serviços, ensino e projetos sociais.

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