Como a Teoria da Ação Comunicativa¹ de Jürgen Habermas pode auxiliar mediadores no trabalho de facilitar diálogos
Tania Almeida
Consultora, Docente e Supervisora em Mediação de Conflitos. Sócia Fundadora e Diretora-Presidente do MEDIARE – Diálogos e Processos Decisórios . Integrante do Comitê de Ética e da Vice-Presidência do CONIMA – Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem.
Jürgen Habermas é um filósofo alemão que desenvolveu teorias relativas à pragmática da comunicação humana. Ele acredita que existem pressupostos de argumentação inerentes à comunicação humana e que eles coordenam o comportamento através da linguagem. Um dos autores dedicados à filosofia analítica da linguagem, Habermas nos convida, através de sua Teoria da Ação Comunicativa , a incluir a possibilidade de uma ética discursiva universal.
Esses pressupostos integram padrões de comportamento e referem-se à:
- não-contradição, similaridade e manutenção do significado das palavras: este conjunto de pressupostos, que dizem respeito à lógica e à semântica e buscam a preservação da congruência e da conseqüente racionalidade nas conversas, nos remete à idéia de que cada um de nós deve manter-se coerente ao expressar-se verbalmente durante uma interlocução, cuidando, inclusive, para que a um mesmo termo ou expressão não sejam atribuídos significados diferentes em um mesmo diálogo.
- autenticidade e adição de tópicos: esta dupla de pressupostos diz respeito a elementos do diálogo que auxiliam na crença no interlocutor e prevê que cada dialogante deve afirmar somente o que realmente acredita e aditar tópicos à conversa quando os considerar razoáveis e pertinentes ao que está sendo discutido, movido pelo mesmo princípio da crença no que diz.
- competência, questionamento, introdução de novas asserções, auto-expressão e não-coerção: estes pressupostos devem governar qualquer processo que tenha como objetivo a construção de um acordo racionalmente motivado; eles prevêem que cada interlocutor deva ter competência para participar de uma discussão, possibilidade de questionar uma asserção e de introduzir novas, oportunidade de expressar atitudes, desejos e necessidades e direito de não sofrer coerção.
Como num processo de Mediação os diálogos facilitados pelo mediador incluem a argumentação e a contra-argumentação, instrumentos estes propiciadores de entendimento e de desentendimento, mediadores têm considerado útil incluir como parâmetro de análise e de trabalho os pressupostos de argumentação elencados por Habermas.
Os desentendimentos e os conflitos provocariam erosão de aspectos relativos à práxis do diálogo salientados por Habermas. Em conflito, as partes tenderiam a ficar inseguras com relação às regras do jogo adversarial do outro, temendo por sua segurança. As partes funcionariam sob o pressuposto de que a outra parte não se importa com o dano, emocional e/ou material, que está infligindo, propendendo a ser autoprotetoras com o intuito de evitar sentirem-se vulneráveis. Em conflito, as partes tenderiam a generalizar experiências prévias ruins em geral, ou ocorridas na relação com a outra parte. Elas tenderiam também a acreditar que a outra parte, em qualquer processo de resolução de conflitos, iria atuar de forma a tirar vantagem de qualquer situação. Isso favoreceria o sentimento de entender qualquer ganho ou perda da outra parte como sendo manobra estratégica ou agressão. O conflito favorece a visão cartesiana de que há um alguém certo e um outro errado, fomentando em cada parte a crença de que sua própria visão é a correta.
Como agente de realidade e guardião do Processo de Mediação, o mediador deve valer-se de ferramentas que possibilitem minimizar os efeitos do conflito sobre a argumentação entre partes. Ele pode levar ao seu discurso de abertura os aspectos citados nos pressupostos de argumentação propostos por Habermas, apontando sua observância como de interesse das próprias partes para que possam confiar no outro e para que ganhem também a confiança desse outro; para que consigam expressar-se genuinamente, possibilitando identificar os desejos e necessidades de ambos e, conseqüentemente atendê-los; para que construam não só acordos, mas especialmente, uma convivência futura que inclua a não-adversarialidade.
A inclusão desses aspectos no discurso de abertura possibilita resgatá-los a cada momento de violação, a partir, inclusive, de um acordo explícito com as partes para fazê-lo. Em entrevistas conjuntas ou privadas o mediador pode, por meio de perguntas ou observações, trazer à memória aquilo que foi inicialmente acordado como útil ao andamento do processo. Habermas afirma que não nos damos conta do quanto estamos embebidos numa convivência pautada em falas e diálogos e do quão valorizamos todos os aspectos por ele salientados quando consideramos produtiva e satisfatória uma conversa, assim como adequado e confiável um interlocutor.
Os aspectos mencionados por Habermas são todos relacionais e, quando trazidos à Mediação, valorizam pontos que favorecem a construção de acordos e pontos que favorecem o bom relacionamento presente e futuro entre as partes. Cuidar do restabelecimento de uma relação negocial e colaborativa entre partes e auxiliar na construção de um acordo não precisam ser tarefas excludentes. Recorrer aos parâmetros oferecidos por Habermas possibilita restaurar uma comunicação comprometida pela subjetividade do estar em conflito e centralizar o diálogo nas atitudes que favorecem a construção do diálogo produtivo.
1 A Teoria da Ação Comunicativa de Habermas é atravessada por três vieses: o sociológico, que fala da interação lingüística dos indivíduos; o psicológico, que identifica individuação e auto-reflexão nos processos comunicativos; e o filosófico, que aponta para a moral e a ética contidas na linguagem.
Bibliografia
CHILTON, Stephen; CUZZO, Maria Stalzer Wyant. Habermas’s theory of communicative action as a theoretical framework for mediation practice. Conflict resolution quarterly. Vol. 22, number 3. Spring, 2005.
HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa, I y II. Ed. Taurus. 4ª edición. España, 2003.
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