Por Tania Almeida*
Daniel Shapiro e Roger Fisher, ambos do Negotiation Project da Harvard Law School, colocaram a emoção como ‘pano de fundo’ das negociações quando escreveram Além da Razão: a força da emoção na solução de conflitos (Beyond Reason: using emotions as you negotiate). Na obra, os autores nos mostram que emoções podem ser parte do turning point (ponto de inflexão) para transformar dissensos pessoais ou profissionais em oportunidades para colaboração e construção de soluções de benefício mútuo.
Aliás, estamos cercados de experts que relacionam a emoção com a tomada de decisão, deixando a razão em plano secundário. Hoje, bastante embasados pela neurociência, alguns autores nos asseguram que, desconsiderar a emoção como um componente permanente das negociações significa ignorar seu elemento mais essencial.
Em Negotiating the nonnegotiable: how to resolve your most emotionally charged conflicts (em tradução livre – Negociando o inegociável: como resolver seus conflitos mais carregados emocionalmente), Shapiro nos fala de forças emocionais invisíveis que nos atraem para impasses, e oferece possibilidades de manejo para superá-las. Na primeira parte do livro – Why do we get stuck in conflict (Porque ficamos presos no conflito) –, o autor convida para a reflexão sobre a natureza da emoção que nos aprisiona em determinado conflito, reafirmando o papel desse importante elemento para a tomada de decisão.
Quais emoções aprisionam?
Para Shapiro, alguns relacionamentos podem nos consumir emocionalmente em virtude de seu impacto sobre nossa psyche. Isso pode causar padrões repetitivos de comportamento, impedindo que cooperemos com o outro. Diminui, ainda, nossa capacidade de reflexão e nos deixa estagnados em aspectos negativos da história.
Para o autor, outros temas também sobrecarregam os conflitos de tal forma que arriscam a negociação à paralisia. São exemplos:
(I) percepção de ameaça à identidade – não se sentir pertencente ou não ter a existência validada pelo outro pode aguçar a necessidade de autodefesa, enrijecendo posições antagônicas e atitudes hostis.
(Ii) revisitar emoções que provocaram muita dor – a possibilidade de reviver emoções que trazem sofrimento nos faz, de forma inconsciente, recriar condições que produzem conflitos recorrentes. Para o autor, essa compulsão pela repetição é um padrão que, paradoxalmente, nasce do medo de reabrir a “caixa de pandora” das emoções, a qual preferimos manter fechada a sete chaves.
(Iii) violação de valores sagrados – existem crenças sagradas (algumas convicções religiosas e socioculturais), alianças sagradas (determinadas lealdades relacionais e políticas) e valores sagrados (como confiança e respeito), que são valores intangíveis e intocáveis. Aqui o desafio reside em respeitar o que é sagrado para cada um dos lados.
As feridas emocionais são inconscientes e ficamos hipervigilantes para que elas não sejam revividas, reagindo de distintas maneiras protetivas.
Quais seriam as dicas de manejo?
Motivado pela ideia de que conflitos muito carregados de emoção são de difícil condução, Shapiro opta por criar pontes (conexão) entre o que divide e o que aproxima da linha que harmoniza diferenças significativas. Sempre cuidando para que não haja vencedores ou vencidos, e que nenhum dos atores precise administrar sentimento de minus valia à mesa.
O autor acredita que apenas trazer os distintos interesses (ícone da escola de negociação de Harvard) para o diálogo seria insuficiente, quando emoções paralisantes integram a relação entre os negociadores ou acometem um dos lados.
Ele sugere algumas formas de guiar temas que façam parte de contextos povoados de emoções de natureza aprisionante:
(i) validação da perspectiva do outro: como foi destacado por Shapiro, conferir autenticidade ao que todos trazem à mesa é o primeiro passo no caminho da (re)aproximação.
(ii) legitimação da identidade de todos: a aceitação das diferenças e a ausência de julgamentos favorece a compreensão empática da existência do outro – considerando suas características particulares -, e auxilia na (re)conexão dos negociadores.
(iii) autoimplicação: no livro, Shapiro nos brinda com pequenas planilhas de perguntas para os clientes da negociação, que estrategicamente induzem à reflexão (pense sobre isso), à autoconsciência (como você reage quando se vê à frente dessa emoção) e à visita ao lugar do outro (como o outro lida com suas reações e o que o coloca também reativo).
São guias práticos para identificar o quanto determinada emoção impacta a negociação, e o quão fundamental esse elemento é para a condução da mediação.
(iv) reconhecimento das perdas e dores emocionais: em contextos de negociação, que envolve, como norma, sentimentos de perda, ameaças de prejuízo e dores emocionais, reconhecê-los aproxima as relações, favorece a escuta e restaura a interação, visando à tomada de decisão.
(v) Inclusão do perdão e do pedido de desculpas: aqui me lembrei de mais dois livros: Perdão, do Dr. Fred Luskin (Forgive for Good: a proven prescription for Health and Happiness), para quem o perdão não significa apagar o ocorrido, mas não permitir que seja carregado dia após dia, nos tirando a saúde física e/ou mental; e On Apology, de Aaron Lazare, para quem o pedido de desculpas não significa manifestação de fraqueza, mas cada um ou todos os sentidos da palavra em grego: justificativa, explanação, defesa, escusas. Ou, ainda, não sabia que isso era importante para você.
Para fechar nossa conversa, deixo a mensagem que acredito prevalecer em Negociando o Inegociável: restabelecer a conexão das relações é o melhor caminho para se evitar posturas revanchistas e a escalada do conflito.
Negotiating the nonnegotiable: how to resolve your most emotionally charged conflicts, de Daniel Shapiro (em inglês)
Editora Viking, 2016
336 páginas
Encontro com você no próximo Leia Comigo, quando conversaremos sobre Investigação Apreciativa: uma abordagem positiva para a gestão de mudanças, de David Cooperrider e Diana Whitney. Até lá!
*Tania Almeida – Mestre em Mediação de Conflitos e Facilitadora de Diálogos entre pessoas físicas e/ou jurídicas. Há 40 anos desenha e coordena processos de diálogo voltados ao mapeamento, à prevenção de crises, à administração de mudanças e à resolução de conflitos. É idealizadora e fundadora do Sistema MEDIARE, um conjunto de três entidades dedicadas ao diálogo – pesquisas, prestação de serviços, ensino e projetos sociais.
Confira o primeiro Leia Comigo sobre o livro Caixa de Ferramentas em Mediação – aportes práticos e teóricos
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