Como mediadores e advogados podem atuar colaborativamente na mediação baseada nos interesses e nas necessidades das partes

Tania Almeida
Consultora, Docente e Supervisora em Mediação de Conflitos. Sócia Fundadora e Diretora-Presidente do MEDIARE – Diálogos e Processos Decisórios . Integrante do Comitê de Ética e da Vice-Presidência do CONIMA – Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem.

Adolfo Braga Neto
Advogado, Mediador, Supervisor em Mediação do Setor de Mediação do Fórum de Guarulhos, Assessor Técnico do Setor de Conciliação do Tribunal de Justiça de São Paulo, Consultor da ONU, Presidente do Conselho de Administração do IMAB -Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil ePresidente do CONIMA – Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem

 

Sumário

O fato da Mediação de Conflitos estar em seus momentos iniciais na cultura brasileira requer, por parte dos mediadores, criteriosa atenção com o aporte de informações para as partes e para os especialistas que dela participam, em especial, os advogados.

Como o auxílio para a autocomposição entre as partes vem integrando cada dia mais o exercício da advocacia em nosso país, faz-se necessário distinguir esta prática daquela levada a termo pelo mediador, especialmente quando ambos os profissionais atuarem no mesmo caso.

Este artigo tem a intenção de destacar relevantes aspectos do trabalho de equipe a ser realizado entre mediadores, mediados e advogados, por intermédio da cooperação entre eles, nas situações de Mediações Facilitativas baseadas nos interesses e nas necessidades de todos aqueles envolvidos no conflito.


A Mediação Facilitativa

A eficácia da utilização da Mediação em diferentes cenários de convivência possibilitou, também, a diversificação de modelos de trabalho que pudessem atender às demandas mais específicas das partes ou até mesmo de teóricos dedicados ao tema. Oferecer um parecer não-vinculante (atributo da Mediação Avaliativa), privilegiar a transformação da relação e da comunicação entre as partes (objetivo da Mediação Transformativa), e auxiliar as partes a galgarem acordos com base em seus interesses e necessidades (caráter da Mediação Facilitativa) são possibilidades que demandam distintas posturas de atuação do mediador, dos mediados e de seus advogados.

A Mediação pautada nos interesses visa a satisfazê-los e ocupa-se de identificá-los, assim como busca evidenciar a possibilidade de serem atendidos pela(s) outra(s) parte(s) integrante(s) do processo de negociação. Mútuos, complementares ou divergentes, o atendimento dos interesses e necessidades das partes fica maximizado quando se vislumbram objetivos comuns como: a responsabilidade pelo bem estar dos filhos – nas separações e divórcios, a dissolução societária de maneira harmoniosa ou a identificação do interesse pela permanência da parceria de negócio – nas situações empresariais, a manutenção, o resgate ou a criação da convivência pacífica – nas questões de política internacional, ou a preservação de um bem comum – nas controvérsias sócio-ambientais.

Como o ser humano desatendido em seus sentimentos e necessidades negocia seus afetos através de questões objetivas como ganhos pecuniários ou patrimoniais, ou até mesmo através da perda desses bens pelo outro, é tarefa do mediador ajudá-lo a identificar o seu interesse/necessidade maior em uma negociação, ou seja, no que ele fundamentalmente precisa ser atendido. Esse interesse ou necessidade primaz, na maioria das vezes, não faz parte do que está sendo objetivamente negociado posto que também se encontra subjacente, como exemplificado acima, no âmbito dos sentimentos e dos desejos subjetivos.

Na Mediação voltada para os interesses e necessidades, tanto os mediados quanto os mediadores e os advogados precisam conhecer o que foi identificado pelos primeiros como seu principal interesse ou necessidade para que possam estar uníssonos na ajuda e no cuidado desses mediados.


As múltiplas vozes presentes nos diálogos ocorridos em um Processo de Mediação

No curso de um processo de Mediação entre duas ou mais partes, existem pelo menos seis níveis de diálogo, expressos ou não, ocorrendo simultaneamente:

  • entre as partes em negociação, não só negociando a questão presente, mas, em especial, as questões e sentimentos passados;
  • entre os mediadores que coordenam o trabalho, identificando a melhor forma de conduzi-lo a cada momento;
  • entre as partes e seus advogados, buscando redefinir a qualidade habitual de sua relação – da posição passiva de serem defendidas à posição ativa de serem autoras; de defensores do direito do cliente a assessores jurídicos, respectivamente;
  • entre os advogados das partes e a sua prática profissional, identificando a orientação jurídica mais adequada;
  • entre os mediados e suas redes de pertinência (amigos e familiares), com as quais estabelecem tácitos pactos de lealdade que precisarão ser renegociados ao longo da Mediação;
  • entre os mediados e os terceiros envolvidos, não presentes à mesa de negociação, mas que sofrerão as conseqüências, ou receberão os benefícios tanto do que for acordado quanto da qualidade de relação que os mediados conseguirem estabelecer no futuro.


As múltiplas vozes presentes em um diálogo entre duas pessoas

No curso de um processo de Mediação entre duas ou mais partes, existem pelo menos seis níveis de diálogo ocorrendo simultaneamente:

  • entre as partes em negociação, que estarão não só negociando a questão presente, mas, em especial, as questões e sentimentos passados;
  • entre os mediadores que coordenam o trabalho, que estarão identificando a melhor forma de conduzi-lo a cada momento (o mediador solo estabelece esse diálogo consigo mesmo ou com seus pares fora da reunião de mediação);
  • entre as partes e seus advogados, buscando a orientação jurídica para o que está sendo negociado e, por vezes, tentando identificar o rumo que a(s) outra(s) parte(s) pretende(m) dar à negociação; com freqüência é preciso que partes e advogados renegociem, antes do início da Mediação, a postura que vinham adotando até então;
  • entre os advogados das partes, que conversam silenciosamente com a sua prática; profissional presente identificando o posicionamento mais adequado para cada momento, assim como conversam com suas histórias profissionais pregressas, quando atuaram como parceiros ou como antagônicos em outros casos;
  • entre os mediados e suas redes de pertinência (amigos e familiares), com as quais estabelecem tácitos pactos de lealdade que precisarão ser renegociados ao longo da Mediação;
  • entre os mediados e os terceiros envolvidos, não presentes à mesa de negociação, mas que sofrerão as conseqüências, ou receberão os benefícios tanto do que for acordado quanto da qualidade de relação que os mediados conseguirem estabelecer no futuro.

Podendo tornar ainda mais complexo cada um dos níveis de diálogo acima identificados, assim como ampliá-los em número, acreditamos ser de grande contribuição para a eficácia do processo de Mediação a disposição para visualizar o lugar e a narrativa de cada um dos atores mencionados e para cuidar da própria participação em cada um dos níveis citados.


Colocando-se no lugar das partes e de seus advogados

Mesmo quando iniciada antes que processos judiciais tenham inaugurado o diálogo entre as partes, a Mediação cumpre a difícil tarefa de propor redefinições para alguns de nossos paradigmas, preconceitos e crenças culturais.

Processo não-adversarial (ganha-ganha) voltado para a satisfação mútua, a Mediação nos acena com a possibilidade de satisfação parcial – nem satisfação total, nem perda total, objetivo pouco afinado com as resoluções de cunho adversarial. Ela nos confere a possibilidade de autoria em todas as soluções propostas e demanda a identificação de nossas possibilidades no atendimento às necessidades do outro, na expectativa de que ele fará o mesmo. Confere-nos total controle sobre o processo, pois que nos permite elegê-lo e finalizá-lo a qualquer tempo, assim como nos permite negociar seus procedimentos. Demanda que nos coloquemos no lugar dos terceiros implicados na negociação, cuja voz ausente precisa ter suas necessidades igualmente atendidas. Solicita-nos boa fé e transparência de propósitos, ao mesmo tempo em que exige sigilo e confidencialidade no relativo à matéria nela tratada. Acolhe nossa história passada com esse outro com quem agora nos indispomos, e nos convida, a todo tempo, a tomar decisões que visem ao futuro. Alarga a nossa margem de negociação para alternativas antes não pensadas, mas não permite que elas ultrapassem a margem da ética ou do Direito.

Na vigência de processos judiciais, a tarefa de redefinir os aspectos acima citados precisa ter a colaboração dos mediados e de seus advogados que, na universalidade dos casos, são procurados para defender os direitos de seus clientes. É preciso que mediados e advogados redefinam a demanda e a oferta de uma posição de guia na defesa contra alguém que pode me prejudicar para uma posição de assessoria e suporte legal para o que está sendo negociado em colaboração com a outra parte. É tão necessária uma retroalimentação positiva entre cliente e advogado para a obtenção e a manutenção de uma postura de defesa, como para a obtenção e a manutenção de uma postura de assessoria e suporte legal, segundo demanda a mediação. Clientes não conseguirão abandonar a postura de defesa contra o inimigo se não tiverem a permissão de seus advogados e vice-versa. Da mesma forma, não conseguirão se distanciar da posição passiva de serem defendidos para ingressar na posição ativa de serem autores, se ambos não autorizarem essa mudança.


Colocando-se no lugar dos mediadores

Treinados para possibilitar escuta, fala e questionamento, assim como para provocar reflexão e estimular uma postura ativa e autora nos mediados, os mediadores precisam, também, manter-se imparciais mesmo em situações que mobilizam muita emoção ou provocam identificação com as partes.

Em função de nossa natureza humana, não acreditamos que a neutralidade seja passível de realização uma vez que o questionamento do mediador é feito a partir do repertório que sua visão de mundo e paradigmas possibilitam. Este questionamento não deve, no entanto, expressar valores ou leituras que possam direcionar as partes para determinadas soluções. Para que isso ocorra é necessário cuidar ativa e continuamente da manutenção de um estado de imparcialidade, quer dizer, cuidar da eqüidade de participação dos mediados, manter eqüidistância objetiva e subjetiva e não tomar partido com relação aos temas e às partes com os quais estamos trabalhando.

Com especial conhecimento em comunicação humana, técnicas de negociação e visão sistêmica da controvérsia, os mediadores têm como expertise facilitar diálogos em situações adversariais. É nesses aspectos, e no conhecimento sobre como conduzir o processo de Mediação, que reside sua competência. Sigilo, imparcialidade, competência e diligência são quesitos éticos. É preciso estar atento ao que há de comunicação verbal e não-verbal entre os mediados, aos discursos que auxiliam a identificar interesses comuns, divergentes e convergentes, ao desbalance de qualquer natureza entre os dialogantes – financeiro, cognitivo, informativo, emocional – para bem conduzir esse processo. É mister não guardar conflito de interesses com as partes ou com o tema mediado, não oferecer os conhecimentos de profissão de origem para assessorar as partes em suas decisões, e não sugerir ou aconselhar quanto a decisões a serem tomadas. Articulando todos esses ingredientes, é tarefa exclusiva do mediador, em uma Mediação Facilitativa, facilitar o diálogo entre partes para que delas surjam as soluções para o que as traz à Mediação. É essa sua estrita e delicada área de atuação.

A não oferta de conhecimentos profissionais para assessorar as soluções vislumbradas pelos mediados torna indispensável a sua consultoria a outros profissionais em busca de embasamento legal e técnico para as decisões a serem tomadas. A indispensável assessoria legal, pois que nenhuma solução pode ferir o Direito, torna imprescindível a participação dos advogados. Os advogados deverão não só estar cientes das intenções de seus clientes em participar de um processo de Mediação, mas também conhecer o Código de Ética e o Regulamento Institucional que regem a prática do mediador eleito para que possam orientar adequadamente seus clientes.

É salutar que o mediador se apresente, ofereça as informações necessárias, esclareça sobre os limites e os alcances do seu trabalho e, de acordo com a vontade dos mediados, mantenha abertas as portas para a participação dos advogados nas reuniões de Mediação. É fundamental que os advogados sejam informados sobre os interesses dos mediados, identificados na Mediação, e acompanhem o progresso de sua postura no sentido de atender aos interesses de cada um dos mediados, podendo, assim, atuar sinergicamente com suas eventuais mudanças.

Ao mediador cabe a redação, na linguagem das partes, do acordo total ou parcial construído por elas. São os advogados das partes aqueles que deverão dar linguagem jurídica ao acordo, caso a matéria exija homologação, ou assim o desejem os mediados.


Conclusão

Para que haja uma ação sinérgica entre mediador, mediados e seus advogados, é preciso que todos eles tomem conhecimento das informações acima mencionadas para que reconheçam os inúmeros atores da questão em tela, sua complexidade e alcance social, de maneira a atuarem em conformidade com sua função, o momento da Mediação e seus propósitos.

A necessidade de redefinir algumas de nossas crenças culturais assim como redefinir a qualidade habitual de relação de trabalho entre parte e advogado é indispensável para viabilizar a participação genuína de todos os atores identificados em um processo de Mediação, contribuição indispensável para a sua eficácia.

É essencial que mediadores, mediados e advogados se reconheçam como elementos de uma equipe em colaboração, em busca de auxiliar os mediados a focarem nos seus interesses, a articularem sua possibilidade de atender o outro nas necessidades dele, e vice-versa, e a legitimarem sua capacidade de solucionar pacificamente as próprias questões, beneficiando-se mutuamente desta autoria.