São muitos anos de prática e de docência em Mediação e Facilitação de Diálogos. Muito aprendizado. Os textos acadêmicos e os livros estão dando lugar, nesse momento, a reflexões curtas. Alunos e mentorados em Mediação, recursivamente, me pedem para repetir frases (nem sempre consigo) e me dizem que anotam muitas delas para reler depois. Percebo que as frases às quais se referem resultam de um mix do que já li e do que já utilizei na prática da coordenação de diálogos, acrescidas do meu jeito de fazer e de narrar essas vivências.

Com essas falas iniciei um livreto de aforismos – frases com definição breve de conceitos amplos, visando provocar reflexão. O objetivo do livreto é contribuir com o propósito de compartilhar o conhecimento que venho coletando e de construir um legado, uma das metas do meu momento de vida atual.

Em Conversando sobre Mediação e Facilitação de Diálogos vou visitar alguns desses aforismos e discorrer brevemente sobre o que me faz tomá-los, a partir da experiência, como temas que merecem reflexão. Nessa direção, vou complementar a série Caixa de Ferramentas em Mediação I & II, oferecendo novos aportes.

A frequência será mensal e os textos serão curtos, guardando coerência com o conceito de aforismos e com meu estilo coloquial e conciso, que busca linguagem simples sobre temas complexos.

Desejo que sejam úteis!

COMEDIAÇÃO

A Comediação viabiliza análise mais ampla das situações e, consequentemente, intervenções mais complexas e mais abrangentes. Por que minha experiência constrói essa afirmação? Quando comecei a atuar como mediadora, trabalhava solo – à época, década de 1990, havia poucos pares que eu pudesse convidar para a comediação.

O que hoje me faz preferir o trabalho em dupla são os benefícios que coletei, comparando as duas possibilidades de atuar. Seguem alguns:

Nossa percepção é sempre enviesada – parto do pressuposto de que somos construídos socialmente a partir do lugar, momento e família em que nascemos, e que respiramos o ar dessa ambiência e de seus paradigmas durante o nosso desenvolvimento – um mix de crenças que contribuem para a nossa cultura em particular. Não à toa escolhemos o que estudar e com o que trabalhar, acentuando ou esmaecendo convicções.

Desde o início da nossa existência, passamos a compor camadas de uma lente transparente com a qual vemos o mundo, os eventos e as pessoas. Por isso, somos únicos em nossas análises das situações, atitudes e condutas perante a vida. A lente que utilizamos restringe nosso olhar e tende a enxergar o que converge com nossos valores e formas de pensar, tanto quanto tende a recusar ou deixar passar despercebido o que não guarda coerência com ela.

A emoção participa 100% do tempo em que atuamos – os afetos e os sentimentos correspondentes aos nossos pontos de vista integram pari passu nossas atitudes e atuações, e não seria diferente com os mediadores e os mediados. Sendo assim, uma dupla de mediadores acolhe bem melhor o turbilhão de emoções trazido pelos mediados, e, em par, galga uma isenção emocional maior nessa administração.

A complementaridade de dois mind sets a convicção sobre nossa singularidade, crenças e vieses já seria suficiente para perceber que dois mapas mentais, oriundos de duas pessoas distintas, avaliando e decidindo sobre como intervir numa situação oferecem distinções e uma possível complementaridade em suas ações. Convergindo por similaridade ou complementaridade, ou ainda, divergindo em suas análises, todas as contribuições de uma dupla de mediadores agregam informação a ser considerada.

A complementaridade de gênero traz, certamente, temperos adicionais à atuação. A diversidade étnica, igualmente. São todas experiências particulares que acrescentam nuances importantes às nossas lentes. Se a formação acadêmica for distinta, maior ainda o valor agregado. Essa é minha composição favorita para atuar em Mediação.

A possibilidade de atuar com diferentes duplas – a atuação continuada de uma mesma dupla de mediadores gera uma interação que, aos poucos, cria seu próprio glossário de significados percebidos muitas vezes apenas pela troca de olhares. Ao mesmo tempo, variar de dupla enriquece as performances de ambos, na minha experiência. É como ter vários amigos. A interação é diferente com cada um, o que desperta em nós um atuar diverso. Os possíveis ruídos entre o par – antes, durante ou após as sessões – devem ser sempre objeto de conversa e entendimento, como fazemos com os amigos.

Seria necessário o conhecimento prévio daquele com quem vamos atuar? Não, necessariamente. Tenho registro de resultado muito insatisfatório ao trabalhar em parceria com profissional com quem tinha amizade prévia, e com a mesma natureza de formação em Mediação que a minha. E tenho registro de resultado extremamente satisfatório ao trabalhar, pela primeira vez, com parceria desconhecida, pessoa de outra nacionalidade e idioma.

O preparo indispensável na comediação – seja qual for o perfil do encontro, é mister o preparo para a atuação a dois: mapear junto ou complementarmente a situação que será objeto da interferência é mandatório. Trocar análises, hipóteses e possibilidades de intervenção é indispensável. Conversar antes, durante e depois da sessão de facilitação, desenhar juntos estratégias de condução e identificar premissas para cada intervenção, é regra.

Uma dupla bem preparada para atuar em campo, considerando como objeto de preparo cada aspecto singular aventado acima, certamente viabiliza análise mais ampla das situações e, consequentemente, intervenções mais complexas e mais abrangentes.