Mediação na virada de Milênio

Tania Almeida
GAZETA MERCANTIL 
31 de Maio de 1999 
Editoria: Opinião — página 02

Na vigência de transformações paradigmáticas, esta virada de milênio nos proporciona assistir a desatualização permanente de idéias, propostas e produtos, que nascem com uma curta-vida-média, conseqüência natural da velocidade das mudanças, característica da atualidade. Em balanço antecipado da última década deste milênio com relação aos norteadores que vêm orientando o nosso universo social, constata-se um período no qual as mudanças têm impelido o homem a criar outros parâmetros e por eles se orientar.

Certeza, causa e efeito, centralização, modelo correto, solução única, explicação acertada regiam as concepções preconizadas pela modernidade. Época fértil na produção de modelos-padrão nos mais distintos campos — na educação, nas finanças, na administração empresarial ou governamental — propiciava que se buscasse alcançar linearmente cada uma daquelas concepções. Negociando ou litigando pela uniformidade de suas idéias e ações, o homem permaneceu mergulhado por longo tempo em modelos padronizados de dirimir dissensões, acreditando em solução única e acertada.

A resultante dessas dissensões, o conflito, surgia, então, quando a uniformidade ou a concordância não era alcançada. Os meios para resolvê-lo, orientavam-se pelos mesmos paradigmas, utilizando a força, a ordem, o julgamento, o arbítrio dicotômico sentenciador do que estava certo e do que estava errado. O mundo global, neste momento, é entendido sistemicamente, ressaltando que somos todos co-autores ativos ou passivos, do que dele resulta. O conflito origina-se hoje, não mais da impossibilidade do consenso e sim da dificuldade com a coexistência da dessemelhança.

Este entendimento sistêmico, pautado, também, na legitimidade conferida às diferenças, admite a existência de tantas histórias quantos são os historiadores e de tantas soluções quantos são os autores. É um tempo que impõe a coexistência de diferentes culturas, de idéias, bem como de propostas, fazendo da negociação a habilidade imprescindível para a convivência pacífica, expondo à vista que a colaboração expressa nos mercados comuns, nas junções empresariais e na governabilidade transnacional, constitui a fonte maior de sobrevivência.

Ao longo da História o homem tem produzido idéias sintônicas com o seu tempo e, recursivamente, construído épocas coerentes com o pensar. Acompanhando esta trajetória ganham, neste momento, número, lugar e diversidade, os recursos alternativos de negociação de diferenças e de controvérsias. A Conciliação, a Mediação e a Arbitragem conquistam, cada vez mais, espaço em nossa cultura, contribuindo para que, também nesse campo, o Brasil ganhe contemporaneidade.


Presente no processo de democratização da África do sul, nos conflitos das Irlandas e dos Bálcãs; em divórcios famosos, nas questões ambientais e comunitárias, nos mercados comuns, nas junções empresariais, integrando muitas vezes o funcionamento de algumas organizações, a Mediação vem sendo o instrumento de autocomposição elegível pelos mais diferentes setores da convivência humana, valendo enfatizar àqueles dos âmbitos político, comercial, trabalhista, empresarial e familiar. Ao privilegiar a genuinidade da autoria na negociação, uma vez que possibilita, que surjam das partes envolvidas as soluções para a questão em pauta, a Mediação tem galgado destaque.

Ágil e informal, a Mediação possibilita redução drástica dos custos financeiros e do desgaste emocional provocado pelo desentendimento, abreviando o tempo de duração do desacordo e do litígio, denotando concludência na relação custo-benefício, mais producente do que a do uso de outros recursos. Regida pela autonomia da vontade das partes, ela busca através da atuação do Mediador, cuidar da satisfação mútua dos interesses de todos os envolvidos no processo, tendo o seu início e término deliberado por estes em comum acordo.

Eticamente impedido de interferir nas soluções criadas pelas partes e de divulgar a existência e o conteúdo do processo, o Mediador, um profissional especializado e capacitado para atuar como facilitador do diálogo para o entendimento, atua como terceiro imparcial auxiliando na identificação de interesses comuns, dos impasses que inviabilizam o acordo; a necessidade de parecer de outros profissionais pode ser por ele identificada e a construção de uma agenda de negociação que inclua a ampliação de alternativas para solução da controvérsia, elaborada.

Recurso recente no Brasil a Mediação pode ser utilizada antes, durante ou após o curso de uma resolução judicial, propiciando acordos que, na estatística de alguns países, atingem resultados em torno de 80% de índice do total das Mediações realizadas. Este percentual fica ainda mais elevado quando a efetividade e a exequibilidade desses acordos é tema, uma vez que são produzidos a partir das idéias, sugestões e deliberações das próprias partes, cuja autoria cria com eles compromisso e responsabilidade.

Há três décadas, reformatado nos Estados Unidos da América do Norte, como um processo estruturado, com a intenção de resolver fora do âmbito do judiciário aquelas matérias que dele pudessem prescindir, na intenção de enxugar o volume que a ele acorria, a Mediação transcendeu este objetivo em função de seu caráter não-adversarial na resolução de contendas. Pautada na colaboração e na composição de interesses, a utilização deste instrumento, desde então, mostrou incluir uma vasta gama de benefícios secundários que vão desde a redução na incidência de litígios até a promoção da melhoria na comunicação e no relacionamento entre as partes.

Este efeito preventivo, elegeu a Mediação como recurso alternativo de escolha, na resolução de conflitos e nas negociações que envolvem relações continuadas no tempo. Ampliando a possibilidade preventiva, muitos países incluíram-na como cláusula de autocomposição de controvérsias nos contratos comerciais, financeiros, securitários e empresariais; tal fato constitui hoje, para aquelas culturas, indicador da possibilidade de soluções satisfatórias, conferindo total credibilidade ao instrumento e aos contratos que a incluem. 


Por privilegiarem a autocomposição de interesses, os mecanismos de solução alternativa de conflitos, atendem à necessidade social do exercício da cidadania. Propiciadores de uma maior participação dos cidadãos na solução dos próprios desentendimentos, eles implementam uma cultura pautada no diálogo e na cooperação, promovendo uma mudança de paradigma no manejo das lides. Ampliadoras do acesso à justiça, as soluções cooperativas e pacíficas devolvem ao homem a possibilidade da negociação direta e conseqüente autoria.

Na busca de um patamar de resultados e de credibilidade semelhantes a de alguns países, Instituições dedicadas à Mediação e à Arbitragem, congregam-se em um Conselho Nacional; visando o desenvolvimento de uma mentalidade autônoma, não-adversarial e autora nos processos de resolução de contendas, Instituições Públicas oferecem aos seus usuários, a Mediação como alternativa; almejando a celeridade, a efetividade e a privacidade na resolução de seus impasses, Mercados, empresas e organizações valem-se da Mediação. De recurso de negociação à instrumento social viabilizador de uma qualidade de negociação que permite dar voz e vez a todos os envolvidos, a Mediação, por todas as suas características, mostra-se coerente com os paradigmas desta virada de milênio e imprescindível como recurso de governabilidade, administração e negociação, nos mais distintos âmbitos da convivência social.