Mediação e Conciliação: Dois paradigmas distintos, duas práticas diversas*

Tania Almeida
Mestranda em Mediação de Conflitos. Consultora, pesquisadora e docente em Mediação de Conflitos e em Facilitação de Diálogos. Preside o MEDIARE – Diálogos e Processos Decisórios. Médica. Pós- Graduada em Neuropsiquiatria, Psicanálise, Sociologia e Gestão Empresarial.

 

SUMÁRIO
1. Considerações iniciais. 
2. A construção de acordos proposta pela conciliação e o privilégio da desconstrução de conflitos pretendida pela mediação. 
3. A busca da satisfação individual pretendida na conciliação e a procura da satisfação mútua demandada pela mediação. 
4. A repercussão das soluções sobre si mesmos cuidada pela conciliação e a repercussão das soluções sobre terceiros, investigada pela mediação. 
5. A co-autoria de soluções construída pelas partes e pelo conciliador e a privilegiada autoria das partes perseguida pelo mediador. 
6. O atendimento monodisciplinar utilizado pela conciliação e a abordagem multidisciplinar proposta pela mediação. 
7. O presente e a culpa focados na conciliação; o futuro e a responsabilidade social objetivados pela mediação. 
8. A pauta objetiva destacada pela conciliação e a pauta subjetiva privilegiada pela mediação. 
9. A publicidade que caracteriza a conciliação e a confidencialidade proposta pela mediação. 
10. Os pareceres técnicos na conciliação e na mediação.
11. Os advogados das partes na conciliação e na mediação. 
12. Considerações finais. 
13. Referências bibliográficas.

 

  1. Considerações iniciais

 

A chegada da mediação à cultura brasileira vem se fazendo gradativamente.  Um dos desafios deste percurso é estabelecer uma adequada distinção em relação à conciliação, instrumento de resolução de conflitos praticado há mais tempo.  Por contemplarem ambas a construção de acordos, mediação e conciliação são, por vezes, tomadas como sinônimos.

Como a cultura mundial caminha em direção à ampliação de métodos de acesso à justiça, é interessante que possamos então conhecer esta diferenciação com clareza.  Visa o sistema multiportas [1] de acesso à justiça – disponibilização de diferentes métodos de resolução de conflitos – poder ampliar o número de portas de que dispomos e, sobretudo, adequar o encaminhamento de nossas questões à que for mais apropriada.

Esse é um dos benefícios dos sistemas multiportas de acesso à justiça e resolução de conflitos: possibilitar o encaminhamento da questão existente para o instrumento de resolução que ofereça maior eficácia e, conseqüentemente, maior eficiência.  Se tivermos dois ternos no armário, precisamos eleger um ou outro para ocasiões que demandem o uso de traje formal.  Se ampliarmos o número de ternos, podemos adequar o modelo ao evento, à temperatura e ao horário da ocasião, assim como à maior ou menor formalidade exigida.

Apesar da finalidade conciliatória em comum, mediação e conciliação guardam distinções tão nítidas em seus propósitos e em seu alcance social que vale a pena, nesse momento em que ambas se encontram no mesmo cenário, destacá-las.

 

  1. construção de acordos proposta pela conciliação e o privilégio da desconstrução de conflitos pretendida pela mediação

           

Tanto a mediação como a conciliação têm por objetivo auxiliar pessoas a construírem consenso sobre uma determinada desavença. A conciliação tem nos acordos o seu objetivo maior e, por vezes, único.  A mediação não tem na construção de acordos a sua vocação maior e, de maneira alguma, seu único objetivo.

A mediação privilegia a desconstrução do conflito [2] e a conseqüente restauração da convivência pacífica entre pessoas.

Sabemos que a construção de acordos não garante que seja efetivamente dirimido o conflito entre as partes e, por vezes, chega a acirrá-lo.  Todavia, a base da pacificação social reside no restauro da relação social e na desconstrução do conflito entre litigantes.  A permanência do conflito possibilita a construção de novos desentendimentos ou de novos litígios; esgarça o tecido social entre as pessoas envolvidas em uma discordância e entre as redes sociais que as apóiam e das quais fazem parte.  A permanência do conflito é, portanto, terreno fértil para manter latente a possibilidade de novas discórdias e o ânimo de desavença entre os grupos sociais de pertinência dos litigantes.

Por dedicar-se ao restauro da relação social e à desconstrução do conflito – o que lhe confere caráter preventivo de amplo alcance social –, a mediação vem sendo considerada o método de eleição ideal ou mais apropriado para desacordos entre pessoas cuja relação vai perdurar no tempo – seja por vínculos de parentesco, trabalho, vizinhança ou parceria.

 

  1. A busca da satisfação individual pretendida na conciliação e a procura da satisfação mútua demandada pela mediação

 

A mediação propõe uma mudança paradigmática no contexto da resolução de conflitos: sentar-se à mesa de negociações para trabalhar arduamente no atendimento das demandas de todos os envolvidos no desacordo.  Na conciliação, as partes sentam-se à mesa em busca, exclusivamente, do atendimento de suas demandas pessoais.

A conciliação guarda ainda uma sintonia com o paradigma adversarial que rege toda disputa, recebendo partes voltadas a encontrar uma solução que melhor as atenda, sem se importar ou, ao menos, considerar o nível de satisfação que o outro lado venha a ter.  Algumas vezes, até, os sujeitos das mesas de conciliação entendem como ganho a insatisfação que o resultado possa provocar na outra parte.

As pessoas envolvidas nas mesas de mediação são convidadas, antes mesmo do início do processo (pré-mediação), a trabalharem em busca de satisfação e benefício mútuos.  Por se tratar de instrumento recente, e pautado na autonomia da vontade, a mediação é antecedida por uma etapa universalmente chamada de pré-mediação – que esclarecerá sobre os procedimentos e os princípios éticos, assim como sobre as mudanças paradigmáticas propostas pelo instrumento.

Na pré-mediação, um mediador ouve os envolvidos sobre os motivos que os trazem à mediação, a fim de identificar se a escolha do instrumento é pertinente e de eleger um mediador que guarde independência com relação às partes e ao tema.  Nesta etapa, é feito o convite para um trabalho que visa atender interesses e necessidades de ambas as partes e atingir uma conseqüente postura de diálogo – não de debate -, e de colaboração – não de competição.  Iniciam a mediação apenas as partes que apresentem disponibilidade para essa mudança paradigmática [3]

  1. A repercussão das soluções sobre si mesmos cuidada pela conciliação e a repercussão das soluções sobre terceiros, investigada pela mediação.

 

A busca da satisfação própria pretendida pela conciliação favorece uma postura que analisa, objetiva e subjetivamente, custos e benefícios do acordado apenas em relação a si mesmo.  É nessa avaliação, primordialmente, que se baseia o grau de satisfação obtido com o resultado do processo de conciliação.

Já os mediadores devem auxiliar as partes a avaliar, de modo objetivo e subjetivo, a relação custo-benefício sobre si mesmas e também sobre terceiros direta e indiretamente envolvidos, todos aqueles não presentes à mesa de negociações – filhos, empregados, parceiros afetivos ou comerciais, comunidade – que terão que administrar, também, custos e benefícios do que for acordado.

Diferentemente da conciliação, a realização do processo de mediação em mais de uma reunião é prática usual e permite que as partes possam refletir e conversar com seus pares e com sua rede social [4] para com eles avaliar o alcance dessas repercussões.

As redes sociais nos oferecem suporte de diferentes naturezas. Elas são solidárias às nossas angústias e insatisfações. Com elas construímos idéias e soluções a respeito dessas angústias; com elas estabelecemos compromisso de fidelidade sobre como as coisas devem ser conduzidas; com elas necessitamos negociar eventuais mudanças ocorridas no percurso das negociações, de forma a não comprometermos a relação de cumplicidade construída.

 

  1. co-autoria de soluções construída pelas partes com o conciliador e a privilegiada autoria das partes perseguida pelo mediador

 

Há condutas que são esperadas e desejadas na prática de um conciliador e que, para um mediador, têm veto ético.  A partir do que está sendo negociado, espera-se que o conciliador ofereça sugestões e propostas de acordo, assim como marcos legais.  O acordo construído mediante conciliação tem, portanto, a co-autoria do conciliador e das partes.

A mediação foi pensada de modo a devolver às partes o protagonismo sobre suas vidas no que concerne à solução de suas contendas.  Distancia-se do modelo paternalista, que fomenta a idéia de que um terceiro, com maior conhecimento ou poder, encarregar-se-á de solucionar desavenças entre aqueles que não conseguirem fazê-lo por conta própria, e procura restaurar a capacidade de autoria das partes na solução de seus conflitos.

O propósito de auxiliar os sujeitos a exercerem a autoria obstina a prática da mediação nesta direção.  As partes deverão ser autoras da escolha da mediação como recurso e da permanência no processo (ou não), bem como ser co-autoras das soluções de suas contendas.

Esse propósito está regido pelo princípio da autonomia da vontade e seu descumprimento representa infração ética.  Está vedado aos mediadores sugerir, opinar ou propor qualquer possibilidade de solução.  Eles são treinados na arte de perguntar com o objetivo primaz de gerar informações para as partes, uma vez que serão elas as autoras das soluções.

A exemplo do diálogo socrático, um mediador precisa auxiliar as partes a parirem suas idéias e a se darem conta de que a solução que melhor as atende pode – e deve – ser construída a partir do próprio saber e conhecimento sobre as suas reais necessidades.

Essa é uma característica que legitima o termo negociação assistida, freqüentemente usado para se referir à mediação.  O mediador atua como umfacilitador do diálogo entre pessoas a fim de que a negociação direta entre elas possa ser restabelecida.

 

  1. O atendimento monodisciplinar utilizado pela conciliação e a abordagem multidisciplinar proposta pela mediação

 

Na conciliação, atuam como terceiro imparcial os profissionais da área do Direito, primordialmente e, mais recentemente, profissionais de áreas como Psicologia e Serviço Social.  Em função disso e dos propósitos que norteiam a conciliação, a análise do conflito e, inevitavelmente, a condução desses diálogos tendem a ser monodisciplinares.

A mediação propõe o trabalho em dupla de mediadores (co-mediação), visando favorecer a complementariedade de conhecimentos e de gênero, tanto no que diz respeito à análise do conflito quanto no que se refere à condução do diálogo.

Por ser um tema transdisciplinar – perpassando o Direito, a Psicologia, a Antropologia, a Filosofia e a Sociologia –, a mediação apregoa que o olhar de análise para os desentendimentos deva ser multidisciplinar, mesmo quando a condução dos trabalhos se dê por um único mediador – mediação solo.  Dessa forma, convida os mediadores a atuarem regidos por uma lente multifocal que viabilize reconhecer e articular os diversos fatores – sociais, emocionais, legais, financeiros, entre outros – que componham as desavenças.

As nuances multifatoriais dos desentendimentos deverão também orientar as perguntas dos mediadores, de modo a auxiliar as partes a articulá-las nas soluções propostas.

 

  1. O presente e a culpa focados na conciliação; o futuro e a responsabilidade social objetivados pela mediação

 

A conciliação tem sua ocorrência e sua condução motivadas pela identificação de responsabilidades por evento(s) ocorrido(s) no passado e pela correção presente de suas conseqüências.  Ela explora o ocorrido, atribui juízo de valor ao fato e à participação dos atores envolvidos, assim como propõe a criação de soluções reparadoras e corretivas.

A mediação não se volta à culpa pelo ocorrido, mas sim à visão prospectiva: como fazer para evitar que a motivação do evento passado volte a ser manejada como foi e passe a ser, então, administrada de maneira que as relações permaneçam preservadas – como atacar as questões sem atacar as pessoas.

A proposta de olhar para o futuro sem atribuir juízo de valor ao ocorrido nem a seus atores auxilia as partes a perceberem suas diferentes contribuições na construção do desacordo ou problema e suas possíveis ações futuras em direção contrária.  Distancia as pessoas das idéias cartesianas de correto e incorreto e deautor e réu, fomentadoras de uma postura adversarial e conseqüentemente punitiva, e as convida para ações cooperativas, regidas pela co-responsabilidade no trato cuidadoso de fatos futuros e fomentadoras da pacificação social.

 

  1. A pauta objetiva destacada pela conciliação e a pauta subjetiva privilegiada pela mediação

 

Coerente com a proposta de obter acordos entre as partes, a conciliação privilegia a pauta objetiva – a matéria, a substância – que o conflito entre elas produziu.  As questões que tenham tutela jurídica e as propostas materiais são foco de especial atenção na conciliação, contexto que estimula as partes a terem, também, nestes temas o objeto de sua atenção, ao aderirem ao instrumento.

Conflitos são produzidos por pessoas em interação e incluem, na totalidade dos casos, a emoção – a necessidade de demonstrar que se tem razão, de receber do outro um pedido de desculpas, de cuidar da auto-estima maculada pelo destrato que a postura do outro provocou, tudo isso de parte a parte.  Esse é o cenário que produzirá os desentendimentos futuros, portanto, novas disputas, se não for incluído como objeto de trabalho e desconstrução. Cuidar da substância e do cenário que motivou o desentendimento, da matéria e da relação entre as partes, é a proposta inclusiva da mediação.

Assim, ganha destaque a desconstrução do conflito na mediação e, conseqüentemente, a pauta subjetiva sempre incutida nele.  Mediadores atentos a isso sabem que a construção de uma solução em co-autoria das partes, norteada pela ação colaborativa que possibilite criar alternativas de satisfação e benefício mútuos, somente será possível se o conflito for anteriormente desconstruído.

A jovialidade em relação à conciliação permite que a mediação tenha um escopo mais atualizado, pautado pela transdisciplinaridade – norteador contemporâneo dos instrumentos de ação social.  Menos voltada para a aparente urgência das questões materiais e mais atenta para uma análise global dos desentendimentos, a mediação pode usufruir de todos os saberes que constituem sua base e construir um espectro mais abrangente de atuação.

 

  1. A publicidade que caracteriza a conciliação e a confidencialidade proposta pela mediação

 

A publicidade do processo judicial estende-se à conciliação, seu instrumento-parceiro na composição de controvérsias e de desentendimentos. Já a mediação nasceu regida pelo princípio da confidencialidade – por meio do qual ficam vedadas a divulgação e a utilização das explanações e informações trazidas à mediação, em qualquer outro fórum.

O pilar da confidencialidade na mediação confere uma moldura de confiança para as partes, possibilitando-lhes aceitar o convite de ter na boa fé um norteador para a sua postura durante o processo.

Está sob tutela das partes a extensão da confidencialidade na mediação. São elas que decidirão, no início do processo e a cada reunião, conjunta ou privada, o que deverá ser mantido sob sigilo.

O princípio da confidencialidade não só favorece o desnudamento necessário às negociações e às conversas pautadas pela boa fé como permite que pessoas físicas e jurídicas sejam preservadas em razão do sigilo.  Sabemos o quanto a publicidade de desentendimentos e acordos pode ser, por si só, desfavorável para a continuidade da relação social ou empresarial entre partes.

 

  1. Os pareceres técnicos na conciliação e na mediação

 

Do conciliador, espera-se o aporte legal sobre a matéria que for objeto da conciliação e a busca de outras informações técnicas que o alimentem na condução do processo conciliatório. 

Na mediação, há o impedimento ético da oferta de visão técnica, de qualquer natureza, sobre o(s) tema(s) mediado(s).  Mesmo que a profissão de origem do mediador lhe confira o conhecimento técnico relativo à matéria trazida à mediação, ele está eticamente impedido de oferecê-lo.

Este especial cuidado com a prática da imparcialidade ativa do mediador não o impede, no entanto, de assinalar a necessidade de pareceres técnicos quando identificar que eles são fundamentais para auxiliar as partes em seu poder decisório.  Neste caso, o mediador estaria eticamente obrigado a cuidar do nível balanceado de informações de todas as partes, uma vez que elas serão as autoras da solução.  O parecer técnico-legal – assessoramento e revisão legal do que foi acordado – é sempre recomendado pelos mediadores e imprescindível quando a matéria inclui aspectos legais. 

Na mediação, a interlocução com os técnicos de qualquer natureza – advogados, contadores e demais especialistas – é feita pelas partes e não pelo mediador.  Esse procedimento obedece ao mesmo princípio que alimenta a autoria: equipar as partes com as informações necessárias rumo a uma boa qualidade decisória.

 

  1. Os advogados das partes na conciliação e na mediação

 

Na conciliação, os advogados mantêm a mesma postura antagônica que norteia suas condutas nos processos judiciais, aos quais a conciliação está atrelada.  Atuam como defensores dos interesses dos seus clientes e como seus porta-vozes.  Mantendo coerência com o cenário da conciliação, conforme descrito anteriormente, os advogados buscam obter a satisfação de um interesse imediato de seu cliente, independentemente do ônus que isso provoque na outra parte ou da possibilidade de a outra parte atender à demanda.

A mediação propõe uma mudança de paradigmas, tanto na postura das partes como na dos advogados [5] .  Como se pretende que sejam as partes as autoras da solução, transfere-se para elas a voz na mediação.  Senta-se à mesa quem tem poder decisório, representando a própria voz.  A mediação solicita que a representação por terceiro seja exceção.  Quando a voz é transferida para as partes, também é preciso transferir para elas o conhecimento sobre a matéria mediada.  O conhecimento sobre a pauta subjetiva, anteriormente referida, somente as partes têm.  O especial conhecimento técnico sobre a pauta objetiva será buscado com aqueles que o detêm – advogados ou outros técnicos.

Para manter coerência com essa proposta, os advogados passam dedefensores assessores legais de seus clientes, oferecendo os parâmetros jurídicos para aquilo que está sendo negociado.  Eles também atuam como assessores técnicosno auxílio da escolha do mediador no âmbito privado; e como consultores, na identificação dos interesses e necessidades da outra parte, visando propor soluções de benefício e satisfação mútuos.

Essa e outras mudanças paradigmáticas que caracterizam a mediação são levadas ao conhecimento das partes, e de seus advogados, na pré-mediação – fase em que os pressupostos de participação no processo são oferecidos.  O entendimento acerca dos princípios e da ética que regem a mediação possibilita que partes e advogados identifiquem sua disponibilidade para atuarem segundo seus parâmetros.

 

  1. Considerações finais

 

Pela competição, mantemo-nos tão assertivos em busca da satisfação pessoal que desconsideramos necessidades, pontos de vista e interesses do outro.  Pela concessão, fazemos o oposto: atendemos aos interesses e às necessidades do outro mais do que aos nossos, cedendo e concedendo.  Pela colaboração, mantemos a assertividade em direção aos nossos interesses e necessidades e fazemos o mesmo em direção aos interesses e às necessidades do outro, na intenção de atendê-los.  A colaboração é a postura de atuação solicitada na mediação.

Construir uma solução pautada na satisfação mútua não implica em ceder ao que o outro deseja, mas sim atuar de modo cooperativo, mantendo a assertividade em duplo sentido.

A ação colaborativa solicitada pela mediação convida as partes a pensarem, simultaneamente, em si mesmas e no outro e viabiliza a construção de acordos pautados no benefício mútuo.

Por sua contemporaneidade, a mediação se aproxima com vigor dos princípios da construção de consenso, instrumento pautado na autocomposição com sustentabilidade das diferenças.  A construção de consenso possibilita criar soluções de mútuo benefício, tendo como regra primeira a possibilidade de manter-se em desacordo – mesmo em desacordo, necessitamos criar uma solução que nos atenda mais e melhor do que a situação vigente.  É instrumento de eleição para os mercados comuns, as políticas públicas e a política internacional.  As relações continuadas no tempo se beneficiam significativamente de seus princípios [6] .

São os princípios – aquilo que serve de base, de pilar, de raiz, proposição fundamental – que diferenciam conciliação e mediação, não os seus propósitos.  Os princípios regem nossas ações e distinguem seus propósitos daqueles advindos de práticas semelhantes.

A leitura comparativa oferecida ao longo deste artigo está pautada nas distintas peculiaridades que regem ambas as práticas – conciliação e mediação – a partir da elucidação de seus princípios.

Reconhecer uma clara distinção entre conciliação e mediação possibilita que nossa cultura integre mais um instrumento de acesso à justiça ao seu sistema multiportas, assim como possibilita que nos beneficiemos de ambos os recursos com seus diferentes propósitos, suas distintas aplicabilidades e dessemelhante alcance social.

 * Texto publicado em Outubro de 2008 – Mediação de Conflitos – Novo Paradigma de Acesso à Justiça. Paulo Borba Casella e Luciane Moessa de Souza (coord). Ed. Fórum

13 . Referências bibliográficas

ÁLVAREZ, Gladys S., HIGHTON, Elena I., JASSAN, Elías. Mediación y justicia. Buenos Aires : Depalma, 1996.

BUSH, Robert A. Baruch, FOLGER, Joseph P. The promisse of mediation: the transformative approach to conflict. San Francisco , CA : Jossey-Bass, 2005.

CAIVANO, Roque J., GOBBI, Marcelo, PADILHA, Roberto E. Negociación y mediación: Instrumentos apropriados para la abogacía moderna. Buenos Aires: AD-HOC, 1997.

CALCATERRA, Rubén A. Mediación estratégica. Barcelona: Gedisa, 2002. 361p. (Prevención, Administración y Resolución de Conflictos).

CALMON, Petrônio. Fundamentos da mediação e da conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

CÁRDENAS, Eduardo José. El cliente negocia y el abogado lo asesora: una variante poco usada en los conflictos de familia. Buenos Aires: Lumen, 2004.

COOLEY, John W. A advocacia na mediação. Tradução René Loncan. Brasília: UnB, 2001.

FIORELLI, José Osmir, MALHADAS JUNIOR, Marcos Julio Olivé, MORAES, Daniel Lopes de. Psicologia na mediação: inovando a gestão de conflitos interpessoais e organizacionais. São Paulo: LTR, 2004.

LEITE, Eduardo de Oliveira (coordenador). Mediação, arbitragem e conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2008. (Grandes temas da atualidade ; 7).

MOORE, Christopher W.  O processo de mediação: estratégias práticas para a resolução de conflitos. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

SCHNITMAN, Dora Fried, LITTLEJOHN, Stephen (orgs.). Novos paradigmas em mediação. Porto Alegre : Artmed, 1999.

SERPA, Maria de Nazareth. Teoria e prática da mediação de conflitos. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 1999.

SLUZKI, Carlos E. A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

SUARES, Marinés. Mediación: conducción de disputas, comunicación y técnicas. Buenos Aires: Paidós, 1996.

SUSSKIND, Lawrence , MCKEARNAN, Sarah, THOMAS-LARMER, Jennifer. The consensus building handbook: a comprehensive guide to reaching agreement. Thousand oaks, CA: Sage, 1999.

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[1] Termo cunhado por Frank Sander – MultiDoors CourtHouse – 1985, para designar a possibilidade de oferta e de escolha de direfentes métodos de resolução de conflitos integrados ao Judiciário.

[2] Rubén Calcaterra é um autor argentino que defende a descontrução do conflito como condição para a autocomposição e o restauro da relação social. Em sua visão, os métodos genuinamente autocompositivos devem incluir três passos consecutivos: desconstrução do conflito, reconstrução da relação social e co-construção da solução. Para o autor, os métodos que trabalham com sugestão ou determinação da solução prescindem desse passo a passo e têm alcance social distinto. O tema é tratado em: CALCATERRA, Rubén A. Mediación estratégica. Barcelona: Gedisa, 2002.

[3] Novos Paradigmas em Mediação é obra coordenada por Dora Fried Schitman que reúne vários artigos relativos a mudanças paradigmáticas propostas pela mediação. A esse respeito ver: SCHNITMAN, Dora Fried, LITTLEJOHN, Stephen (orgs.). Novos paradigmas em mediação. Porto Alegre : Artmed, 1999.

[4] Carlos Sluzky é um psiquiatra argentino, casado com Sara Cobb, uma referência mundial para a mediação, que se debruçou sobre o tema das redes sociais e suas repercussões. Com esse objetivo consultar:  SLUZKI, Carlos E.A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

[5] É crescente o interesse dos autores pela necessária mudança de postura dos advogados quando assessores de seus clientes em processos de mediação. Esse tema pode ser encontrado em: COOLEY, John W. A advocacia na mediação. Tradução de René Locan. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001; CARDENAS, Eduardo. El cliente negocia y el abogado lo asesora: una variante poco usada en los conflictos de familia. Buenos Aires: Editora Ilumen, 2004.

[6] A construção de consenso – instrumento especialmente voltado para as composições que envolvem múltiplas partes e múltiplos interesses – ganha privilégio na contemporaneidade em função de ter como princípio fundamental o respeito às diferenças na convivência, competência social necessária ao homem deste século. Consensus Building Institute http://cbuilding.org/ é instituição dedicada a esse tema que motiva crescente produção literária. Uma obra síntese de seus múltiplos aspectos é: SUSSKIND, Lawrence, MCKEARNAN, Sarah, THOMAS-LARMER, Jennifer. The consensus building handbook: a comprehensive guide to reaching agreement.Thousand Oaks, CA: Sage, 1999.