DESCENTRALIZANDO O ACESSO À JUSTIÇA: Em busca por reconhecimento de direitos143
Ariane Gontijo Lopes Leandro144
Resumo
A literatura constata uma ascendente vocação do princípio democrático que amplia a institucionalização do direito na vida social, incorporando espaços que ainda não se faziam tão regulados por ele, jurisdicionando, especialmente, a esfera da vida privada. Muitas são as características históricas que marcaram a cultura e a sua influência no desenvolvimento da cidadania na realidade brasileira, por exemplo, é possível evidenciar que a partir da cultura política – de natureza colonialista, patrimonialista, clientelista, corporativista, estatizante, hierárquica, excludente e centralista – é que se projetou e se desenvolveu a cidadania no país, com suas conquistas e limitações, e as formas de se conceber o direito. Mesmo que não seja uma exclusividade do caso brasileiro, esses fatores influenciam a cultura do país até os dias de hoje, incidindo diretamente nas formas de se conceber o direito e seus mecanismos de resolução de conflitos. É a partir destas perspectivas, que elegem o tema do direito e do acesso à justiça como problema de pesquisa, que apresentamos este trabalho. Faremos uma discussão sobre os limites e os desafios nos processos de descentralização da justiça, especialmente, para os segmentos de baixa renda, alguns dos resultados encontrados na execução de uma experiência considerada de acesso à justiça, permitindo, sobretudo, perceber que, mais que acesso à população busca por reconhecimento de direito.
Palavras-chave: Conflitos; Mediação; Justiça; Cultura Jurídica; Direitos.
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Estudos sobre o sistema de justiça no Brasil, em especial as pesquisas de Junqueira (1996), Vianna et. al. (1999), Sinhoretto (2006), entre outros, destacam que durante os anos 80, mas principalmente do início dos anos 90, o campo das ciências sociais e humanas em geral começaram a aprofundar suas análises, elegendo como objeto de pesquisa os processos de ruptura e continuidade da democratização do Estado e da sociedade, com foco nas instituições judiciárias, nas atribuições legais e nas práticas de administração de conflitos. Todos estes estudos visavam acompanhar o processo de democratização do país, justamente porque a democracia política não era por si só, suficiente para garantir uma sociedade efetivamente democrática, isto é, de amplo exercício e acesso à cidadania. Democratizar de modo pleno o país significava, também, democratizar a Justiça e, com isso, o acesso a ela 145.
Junqueira (1996), por exemplo, ampliou as discussões em torno do acesso à Justiça ao revisitar os estudos sobre o tema do Poder Judiciário e os métodos de solução de conflitos, a autora destaca que ainda durante a década de 70 e também nos anos 80, os principais estudiosos sobre a temática do acesso à justiça eram juristas sociologicamente orientados. Estes estudos, segundo Junqueira (1996), diferentemente do que se imaginava na época sobre o caso brasileiro, se mostraram pouco influenciados pelo access-to-justice movement liderado por Mauro Cappelletti e Bryant Garth que coordenaram o Florence Project 146. As produções de Junqueira (1996) também revelaram que a principal questão posta em relação à população brasileira não era, diretamente, a expansão do welfare state ou mesmo a necessidade de tornarem efetivos os novos direitos “conquistados” a partir da década de 60 pelas minorias étnicas e sexuais, mas sim, uma ampla reivindicação de expansão dos direitos básicos (sociais) aos quais a maioria da população não tinha acesso. Foram vários os processos, relacionados à exclusão político-jurídica, responsáveis pela não garantia do acesso aos direitos à população brasileira (Junqueira, 1996; Carvalho, 2004) 147.
Outro estudo central para a compreensão dos temas relacionados ao acesso à Justiça no Brasil, especialmente às análises do Poder Judiciário e suas relações com a política e a sociabilidade no país, é o trabalho desenvolvido por Vianna et. al. (1999). Eles fornecem um amplo diagnóstico das instituições do sistema de justiça, destacando, sobretudo, a politização da atividade jurisdicional, processo que foi denominado judicialização da política; o que significa conferir ao Poder Judiciário a capacidade de pautar a política com base na interpretação/avaliação de leis já existentes. Além da judicialização da política, os autores destacam a judicialização das relações sociais, que passou a ser uma realidade após a redemocratização.
Sinhoretto (2006), por sua vez, apresenta duas importantes tendências analíticas para a compreensão do sistema de justiça: uma visão referenciada pela macro-sociologia e outra pela micro-sociologia. A primeira tendência apresenta um debate sobre (a) as rupturas e as mudanças nas organizações judiciais diante de novas atribuições legais; (b) os destaques da politização da atuação judicial; (c) os novos modelos que organizam as identidades corporativas; (d) as constantes transformações na cultura jurídica do país; e (e) as emergências de práticas compreendidas como inovações de solução de conflitos. Já a segunda enfatiza os obstáculos nos processos de democratização, como desafios à incorporação de demandas e valores democratizantes à cultura jurídica no país, observando-se uma persistência de valores e práticas hierarquizantes e excludentes, que aprisionam as inovações e mantêm os padrões mentais tradicionais.
Contudo, estas análises (Junqueira, 1996; Vianna et. al., 1999; Sinhoretto, 2006), foram influenciadas pela formulação de várias iniciativas de ampliação do acesso à Justiça e da informalização de agências de resolução de conflitos, como, por exemplo, os Juizados Especiais de Pequenas Causas 148; posteriormente, o Juizado Especial Criminal 149; e também práticas estimuladas por organizações da sociedade civil como o Balcão de Direitos 150. Outra iniciativa, que surgiu a partir de uma prática de extensão da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, foi o Programa Mediação de Conflitos, o qual será apresentado neste trabalho.
A construção de um projeto de pesquisa-ação de pluralismo jurídico
Os percursos de implantação de um programa de governo são complexos e, por vezes, contraditórios, marcados por heranças históricas permeadas pelas “relações personalistas”, entre outros fenômenos culturais, políticos e históricos que podemos encontrar como elementos característicos da cultura brasileira (Carvalho, 1997). Atualmente o Programa Mediação de Conflitos é desenvolvido pela Diretoria do Núcleo de Resolução Pacífica de Conflitos da Coordenadoria Especial de Prevenção à Criminalidade, órgão da Secretaria de Estado de Defesa Social do Governo do Estado de Minas Gerais 151. No entanto, o programa surgiu a partir de uma ação de extensão universitária da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, denominada “Programa Pólos de Cidadania”.
O Programa Pólos de Cidadania, cuja criação data de meados de 1995, é hoje uma ação interinstitucional com sede na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que tem, atualmente, o seguinte objetivo: articular atividades de ensino, pesquisa e extensão com vistas à promoção, a inclusão e a emancipação de grupos com histórico de exclusão e trajetória de riscos sociais. Sua prática/execução é em grande medida realizada em parceria com outras unidades da UFMG, outras instituições públicas e privadas de ensino superior e com os órgãos da administração pública – Poder Executivo municipal, estadual e federal. Contudo, o processo de desenvolvimento metodológico desta ação de extensão, ocorreu a partir de influências advindas das reflexões de um grupo de professores, operadores do direito, que lecionavam na Faculdade de Direito da UFMG (Melo e Viana et. al., 2003)
Este aspecto ideológico apresentado está pautado nas inúmeras abordagens e iniciativas advindas de estudos e práticas influenciadas por juristas e operadores do direito, que durante as décadas de 80 e 90, se voltaram ao tema do acesso à Justiça no país. Estes passaram a perceber a Justiça não exclusivamente como o acesso da população à instância do Poder Judiciário, isto é, mesmo que o acesso à Justiça pudesse promover a aproximação dos segmentos sociais mais pobres ao sistema formal de justiça, pareceu necessário ampliar as formas de participação do indivíduo na construção da cidadania, gerando “no mínimo” uma coexistência entre a “dogmática jurídica” e as “práticas conhecidas como inovadoras no acesso à Justiça” (Amorim; Burgos; Kant de Lima, 2002). Talvez a reformulação da cidadania sugerida por Miracy Gustin, esteja mais na linha da convivência entre estas dimensões, do que propriamente a substituição do modelo tradicional de Justiça pelos modelos de
152 Para melhor compreensão das atividades de ensino, pesquisa e extensão do Programa Pólos de Cidadania, acessar: http://www.polos.ufmg.org.br. Último acesso em 10/01/2012.
153 Graduada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1962). Graduada em Licenciatura Plena em Direito Usual e Legislação pela Fundação Educação para o Trabalho de Minas Gerais (1975). Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (1989) e doutora em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1997). Pós-Doutora em Metodologia do Ensino e da Pesquisa pela Universidade de Barcelona/CAPES, em 2002. Atualmente é professora associada aposentada da Universidade Federal de Minas Gerais. Foi uma das fundadoras do Programa Pólos de Cidadania da Faculdade de Direito da UFMG.
154 Muitas são as concepções sobre a noção de ideologia, com origens clássicas e ampliadas no campo das ciências sociais e humanas, mas uma análise interessante sobre suas características pode ser vista em Motta (2009), ao se aprofundar nos estudos relacionados aos desafios e possibilidades na apropriação da cultura política pela historiografia.
informalização de resolução de disputas. É possível perceber, a partir de sua fala, que o Programa Pólos de Cidadania surge, na verdade, a partir de um processo/movimento iniciado antes de 1995. O aspecto que a mesma chama de “grupo ideológico” está relacionada à reflexão existente sobre o tradicionalismo do direito lecionado por aquela universidade; tendo como base, mais os aspectos identitários deste grupo de professores de Direito do que propriamente ideológicos, muito embora, seja possível perceber a relação entre estas duas dimensões. Havia entre eles, naquele contexto, noções/concepções semelhantes de cidadania e de direitos.
Além disso, em outros Estados da federação, também eram desenvolvidas discussões sobre o papel do direito e do Poder Judiciário, temas que entraram na agenda do campo das ciências sociais no mesmo período. Junqueira (1996) considerou de suma importância o mapeamento das pesquisas sobre o acesso à Justiça no Brasil como forma de recontar a história da sociologia do direito no país; destacando, sobretudo, as primeiras pesquisas sobre esse campo pelos juristas- sociólogos – como foi o caso de Joaquim Falcão 155, que havia ampliado as reflexões sobre os direitos sociais coletivos – e também sobre as formas estatais e não-estatais de resolução de conflitos individuais, nas quais ganharam espaço os novos mecanismos informais. Tudo isso dito, especialmente as práticas extraoficiais de resolução de conflitos, em grande medida, tiveram a influência de Boaventura de Souza Santos, que se tornou conhecido da comunidade acadêmica a partir de uma pesquisa realizada nos anos 70 na favela do Jacarezinho na cidade do Rio de Janeiro. Surgiam também iniciativas similares à do Programa Pólos de Cidadania e debates sobre a reforma do judiciário; questão que se tornou passível de reflexão com a promulgação da Constituição de 1988 e com a influência dos juristas garantistas, especialmente da Região Sul do país e do Estado de São Paulo 156.
A criação do Programa Pólos de Cidadania assim como estas iniciativas, passam a ser, nesse momento, objeto de reflexão e, ao mesmo tempo, de intervenção. Não se tratando apenas das analises sobre como o direito opera, como funciona as estruturas/instituições do sistema de justiça e como se dá o acesso da população à Justiça – como os estudos sobre o tema demonstram (Vianna et. al., 1999; Junqueira, 1996) – mas se tratando da criação de mecanismos de ampliação do acesso aos direitos e à Justiça, tanto dentro do próprio Poder Judiciário quanto das práticas extrajurídicas. Ressaltamos que nesse período às influências advindas dos estudos relacionados ao pluralismo jurídico, foram centrais, se tornando agenda de pesquisa no contexto da Faculdade de Direito da UFMG 157.
Alguns dos trabalhos que obtiveram grande influência na metodologia do Programa Pólos de Cidadania foram os estudos realizados por Boaventura de Souza Santos (1977; 1988; 2005), especialmente pela influência do autor com pesquisas sobre o pluralismo jurídico. Segundo Melo e Viana et. al. (2003), um dos principais estudos de Boaventura de Souza Santos que influenciaram os profissionais do direito do Programa Pólos de Cidadania foi à pesquisa realizada na favela do Jacarezinho, mencionada acima, denominada “Pasárgada” e as contribuições do livro “Pela Mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade”. Em “Pasárgada”, o autor buscou verificar a vigência de um direito informal organizado em torno de uma associação comunitária de moradores, compreendendo as relações entre o direito oficial e o que o autor chamou “direito de Pasárgada”. Mesmo que a pesquisa do autor, na favela do Jacarezinho, não tivesse o objetivo de compreender os canais de acesso à justiça estatal, para Junqueira (1996) seus achados atestam não apenas a produção de uma ordem jurídica paralela à do asfalto, mas a impossibilidade de os moradores daquela região, percebida como ilegal pelo direito oficial, buscarem soluções para seus conflitos no ordenamento jurídico e nas instâncias judiciais 158.
Os estudos de Boaventura de Souza Santos (1977; 1988), especialmente aquele realizado na favela do Jacarezinho, identificaram alguns aspectos de tensionamento entre as dimensões dos direitos. O principal deles era a inacessibilidade do sistema de justiça para os grupos mais populares, levando muitos pesquisadores brasileiros, como Joaquim Falcão (1981), por exemplo, mencionado acima, a se debruçarem sobre o tema da sociologia do direito; em especial aos estudos que analisam os mecanismos da cultura jurídica brasileira que viabilizam (ou não) o acesso das distintas classes sociais à Justiça. Outro aspecto identificado e que chamou grande atenção da comunidade acadêmica à época, correspondia às formas/experiências próprias e cotidianas dos moradores de resolverem seus conflitos sem mediação estatal.
A proposta formulada com base na pesquisa-ação influenciada pelo pluralismo jurídico foi, ao longo da consolidação do Programa Pólos de Cidadania, possibilitando um novo arranjo de ensino e pesquisa aos graduandos em Direito da UFMG. Era um estímulo à produção de conhecimentos sobre as práticas jurídico-sociais necessárias ao exercício da cidadania, questão cara e sempre presente nas reflexões dos idealizadores do programa e identificada como elemento central nessa análise.
O primeiro contato do Programa Pólos de Cidadania, enquanto projeto de pesquisa-ação de pluralismo jurídico, com outras instituições públicas além do CNPQ e já atuando junto aos grupos e movimentos sociais, foi com a Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, no período em que Helena Grego era a Coordenadora Municipal de Direitos Humanos e Cidadania 159; fato que marcou o início da relação entre o programa e o Poder Executivo no final dos anos 90 e inicio de 2000, trazendo novos campos de reflexão, um deles era a noção de direito achado na rua.
Este conceito e, consequentemente, proposta de trabalho, surgiu com base na influência de projetos advindos da região sul do país, que apontavam para uma nova seara de intervenção do direito denominado “alternativo”, que ganhava expressão nos debates acadêmicos sobre o direito oficial-estatal e o direito informal. Essa expressão, “direito achado na rua”, denota possibilidades de incursão do direito a partir das regras de sociabilidade até então pouco ou quase nada absorvidas pelo direito oficial-estatal.
É possível encontrar muitos projetos que, durante a década de 90 e início dos anos 2000, foram denominado “direito achado na rua” por força dessa conjuntura. O primeiro subprojeto do programa Pólos de Cidadania foi nomeado Núcleo de Mediação e Cidadania160. A primeira localidade de atuação do Núcleo foi a região nordeste de Belo Horizonte. Esta e, posteriormente, suas outras áreas de atuação são caracterizadas pela inacessibilidade aos direitos formais, fator que contribuía para a descrença da população no que diz respeito à noção do direito estatal. Tendo sido necessário construir um trabalho que visasse dirimir tais aspectos (Gustin, 2005).
No final da década de 90 e início de 2000, o Programa Pólos de Cidadania e outros projetos e pesquisas que surgiam no Brasil trabalhavam com a mesma perspectiva de refletir sobre o Direito e as classes populares – inclusive as favelas, uma vez que estas práticas de acesso à Justiça visavam atender os seus moradores – com base em duas orientações/vertentes principais: (i) o direito achado na rua, e (ii) o pluralismo jurídico. O Projeto dos Centros de Integração da Cidadania (CIC) em São Paulo, por exemplo, foi uma iniciativa conjugada entre Poder Executivo, o Poder Judiciário, o Ministério Público, as instituições policiais e alguns Juristas (Sinhoretto, 2006); o Projeto Balcão de Direitos da ONG Viva Rio (Souza Neto, 2001) foi uma iniciativa de uma organização não governamental; e a criação do Juizado Especial de Pequenas Causas foi uma iniciativa do Poder Judiciário (D’Aráujo, 1996). Todas estas práticas tinham como foco a ampliação do acesso à população de modo geral – em especial a garantia das classes populares – à Justiça.
Durante os anos de 2001, 2002 e 2003, o Núcleo de Mediação e Cidadania, passou a ser financiado pelo Ministério da Justiça do Governo Federal e pela antiga Secretaria Adjunta de Justiça e Direitos Humanos do Governo do Estado de Minas Gerais. Além desses parceiros do poder executivo, eram mantidas outras relações com institutos de pesquisa estaduais e nacionais. Outras duas autarquias, a Companhia de Saneamento Básico (COPASA) e a Companhia de Energia Elétrica de Minas Gerais (CEMIG), também financiaram o funcionamento do Núcleo.
A institucionalização do subprojeto Núcleo de Mediação e Cidadania em ação governamental, se deu em 2002 por meio do Decreto Estadual nº42.715 e das Resoluções 727 e 728 do mesmo ano. A institucionalização ocorreu em virtude da formulação de uma proposta ampla de acesso à Justiça para a população moradora das favelas de Belo Horizonte. Proposta denominada: Centro de Referência do Cidadão (CRC). Naquele mesmo período, já existia o Centro Integrado de Cidadania
(CIC) em São Paulo, conforme mencionamos, um equipamento público criado durante o período de 1996 a 2000, cujos objetivos segundo Sinhoretto (2006) eram garantir o acesso à Justiça às populações residentes em áreas periféricas da cidade e aproximar a magistratura dessas localidades. O objetivo do CRC em Minas Gerais, em articulação com os Núcleos de Mediação e Cidadania do Programa Pólos de Cidadania, era se tornar parte deste paradigma de acesso à Justiça que se ampliava em outros estados do Brasil 161. Porém, a proposta em Minas não obteve sucesso, uma vez que as promessas de construção dos equipamentos públicos que seriam os CRCs não saíram do papel, tornando-se um serviço aquém de sua proposta original. Com o fracasso do CRC, contudo, somente no ano de 2005 houve uma retomada na negociação entre o Programa Pólos de Cidadania e o Poder Executivo Estadual, com a expansão e reformulação dos Núcleos de Mediação e Cidadania. Estes Núcleos passaram a ser incorporados por outra estrutura orgânica do Governo do Estado de Minas Gerais, a atual Secretaria de Estado de Defesa Social, recebendo o nome de Programa Mediação de Conflitos.
O Programa Mediação de Conflitos começa a ser executado pela Secretaria de Estado de Defesa Social/MG em 2005, ainda nos moldes dos Núcleos de Mediação e Cidadania do Programa Pólos 162. Contudo, tal experiência passou por reformulações em função das diretrizes da política de prevenção à criminalidade do Governo do Estado de Minas Gerais 163. Tal política, naquele contexto, estava sendo pensada como uma das principais linhas de intervenção do governo Aécio Neves 164 em virtude do elevado índice de homicídios no Estado de Minas Gerais. O governo entendia que os homicídios não poderiam ser tratados somente pelo aparato das instituições policiais e do sistema de justiça tradicional, sendo necessária a criação pelo Poder Executivo, na área de segurança pública, de programas de prevenção social e situacional à criminalidade. A estratégia era fazer com que tais medidas prevenissem o fenômeno da violência, a partir da priorização da cidadania e da participação da população na solução de seus problemas (Plano Estadual de Segurança Pública, 2003).
Segundo Santos (2007), no primeiro ano de gestão do Programa Mediação de Conflitos, de 2005 a 2006, a sua execução foi realizada de modo compartilhado entre o Programa Pólos de Cidadania e a Secretaria de Estado de Defesa Social; sendo que a coordenação gerencial-técnico-administrativa competia ao Estado, e a coordenação metodológico-formativa à Universidade. A partir do ano de 2006, segundo Leandro e Cruz (2007), o programa passou a ser coordenado integralmente pelo Estado – gerenciamento administrativo, técnico, teórico, metodológico, metas, resultados, entre outros. Para as autoras, ao ser gerenciado pela Secretaria de Estado de Defesa Social, o programa deixou de ter vínculos metodológico-formativo e de coordenação com o Programa Pólos de Cidadania. Houve, então, uma “separação” do programa estatal com os Núcleos de Mediação do Programa Pólos de Cidadania. Este último passou a gerenciar somente dois Núcleos, passando os demais a serem denominados Programa Mediação de Conflitos. A partir de 2007 o Programa Mediação de Conflitos expandiu-se progressivamente no âmbito do Estado de Minas Gerais, mantendo sua coordenação pela Secretaria de Estado de Defesa Social. Entre 2007 e 2011, o programa passou a atuar em 24 (vinte e quatro) localidades.
Segundo Leandro e Cruz (2007), o programa tem o objetivo de empreender ações de mediação de conflitos, orientações sociojurídicas, articulação e fomento à organização comunitária, valorizando o capital social. Constituindo-se como um equipamento público de construção da cidadania, considerado uma forma de acesso à Justiça e de resolução pacífica de conflitos. O que se confunde, em certa medida, com as perspectivas dos idealizadores da proposta de origem. Analisando os documentos referentes à metodologia do Programa Mediação de Conflitos, verificamos, contudo,
algumas mudanças de conceitos e formas de intervenção em sua estrutura 165. Verifica-se, por exemplo, o incremento de conceitos oriundos dos estudos de políticas públicas, em especial, sobre segurança pública com cidadania, mediação de conflitos, prevenção às violências, entre outros. Os conceitos do Programa Pólos, no entanto, permanecem no escopo teórico do Programa estatal.
Percebemos alguns desafios à implantação destas práticas, especialmente ao analisarmos os elementos que influenciam a cultura no caso brasileiro e as distintas formas de construção da cidadania que caracterizam o país (Carvalho, 1996; 2004). Cardoso de Oliveira (2010), por exemplo, expressa os dilemas da cidadania no
Brasil, ao tratar como paradoxal a ideia de isonomia jurídica e desigualdade de tratamento que, de modo especial, expressa os contrapontos encontrados nos padrões de desigualdades vividos pela população ao acessar as instituições de justiça. Para o autor, em seus estudos sobre a França (Cardoso de Oliveira, 2006), os EUA e o Canadá/Quebec (Cardoso de Oliveira, 1996a; 2002), a noção de cidadania enquanto referência para compreensão das democracias ocidentais está diretamente vinculada à ideia de igualdade, sendo, portanto, esta última, carregada de múltiplos significados, dada a influência socio-histórica e cultural de cada contexto. Contudo, a ideia de tratamento uniforme predominante no liberalismo anglo-saxão – mesmo que questionada pelos movimentos sociais norte-americanos, especialmente o movimento negro, ao identificar o tratamento uniforme como dimensão que viria a reproduzir desigualdades – não pode ser considerada a mesma ideia no caso do republicanismo francês, mesmo que ambos sejam resistentes à ideia de tratamento diferenciado no plano da cidadania. Para o autor, no caso brasileiro existe um tensionamento entre a visão de igualdade e aquela que prega o tratamento uniforme mais adaptado aos princípios modernos da cidadania.
Salientamos que estas reflexões sobre os estudos de cidadania (Cardoso de Oliveira, 1996a; 2002; 2006; 2010) são centrais para compreender as características que interferem – ou pouco contribuem – com a melhoria de vida dos segmentos populacionais que estiveram e ainda estão alijados do acesso à direitos no Brasil. Mesmo com a existência de práticas que têm como base as influências do pluralismo
jurídico, como o Programa Mediação de Conflitos, percebe-se que, ainda hoje, uma considerável parcela da população está “distante” das instituições do sistema de justiça, tanto em seu plano material como simbólico.
Pudemos perceber, a partir dos dados coletados, que por meio da orientação sociojurídica e pelo acesso contínuo das pessoas ao espaço institucional proporcionado pelo programa, essa experiência tem favorecido a busca da população por seus direitos. Contudo, os dados também indicam uma diminuição na busca da população pelo procedimento de mediação de conflitos. Importa lembrar, no entanto, que o Programa Mediação de Conflitos está baseado na noção de pluralismo jurídico e, conforme Sinhoretto (2006), práticas como esta, em geral, apresentam limites em sua execução. A autora menciona que o campo do pluralismo jurídico promove a concorrência de várias instâncias de resolução de conflitos, com lógicas de negociações e de interesses distintos, produzindo resultados de justiça diversos. Para ela, os indivíduos que têm mais conhecimento e recursos em relação à apropriação de poder serão os que mais usufruirão das possibilidades oferecidas pelos espaços plurais de negociação. Já o oposto, ou seja, os indivíduos que contam com conhecimentos e recursos reduzidos têm, consequentemente, chances limitadas de usufruir das possibilidades oferecidas por estes espaços conciliatórios. Ressaltamos também, como demonstrado ao longo do texto, que em diversos estudos sobre o acesso à Justiça (Sinhoretto, 2006; Amorim, 2008; D’Aráujo, 1996; Pandolfi, Carvalho, Carneiro, Grynszpan, 1999), os autores entendem que, ainda hoje, uma considerável parcela da população está distante das instituições do sistema de justiça. O desafio do acesso à Justiça não está relacionado somente à garantia dos direitos, mas, sobretudo, ao reconhecimento dos direitos.
No caso do Programa Mediação de Conflitos, os dados demonstram um tipo de busca/acesso específico da população pelos serviços prestados e também um nível razoavelmente alto de satisfação entre as pessoas (usuárias) entrevistadas, tanto aquelas que resolveram seus problemas pelo mecanismo/procedimento de mediação de conflitos, quanto as que optaram ou buscaram a orientação sociojurídica. Importa destacar que, grande parte das falas demonstram que os entrevistados se percebem reconhecidos em seus direitos e que escolheriam novamente este tipo de serviço prestado pelo programa para tratamento de outros conflitos. Um aspecto contrastante do bom nível de satisfação expresso pelos entrevistados é o descrédito de uma das entrevistadas – liderança da região da Pedreira Prado Lopes – em relação ao programa. Ao ser atendida pelo programa, ela se viu mais uma vez como parte de um conflito em que a outra parte é hierarquicamente distinta (superior). Para a liderança, o programa funciona somente para questões “corriqueiras” e não para temas que envolvem “grandes estruturas”, em suas palavras: “que envolvem gente grande” (Bete).
Deste conjunto de informações podemos concluir que a maioria da população que acessa o programa pela primeira vez, é constituída por mulheres, com baixa escolaridade, com idade jovem e adulta e possuem renda próxima ao salário mínimo. Podemos ainda mencionar que, em torno de 50% dos casos, a busca pelo programa é impulsionada pela necessidade de tratar de demandas e questões familiares. Outro aspecto são os relatos de violência, em que quase 60% das situações estão relacionadas à violência de gênero. A maioria da população afirma ter ido ao programa por indicação de outra pessoa atendida “o boca-a-boca”, sendo elevada a proporção daquelas que ao longo dos anos retornam ao programa para serem atendidas novamente. Outro aspecto, é que cerca de 60% da população que acessa o programa pela primeira vez, diz ter sido a primeira instituição recorrida para tratamento da questão/assunto.
Estes dados demonstram um perfil muito particular de atendimento realizado pelo Programa Mediação de Conflitos. Em que pese à influência dos estudos sobre o acesso à Justiça no país utilizados como base para reflexão, encontramos algumas diferenças em relação às orientações dos mesmos: a principal delas está relacionada à busca por direitos reivindicados pelas mulheres. Os dados demonstram que o programa tem garantido o acesso destas mulheres ao tratamento de situações vividas no domínio do espaço privado, demonstrando a necessidade de judicialização desta esfera. Destacamos duas principais situações que envolvem esse segmento da população em busca de direitos: (i) o caso da pensão de alimentos – relacionando o cuidado com os filhos, a busca pela paternidade e a regulação de visitas; e (ii) o caso da violência contra a mulher – prevalecendo à assimetria hierárquica existente nas relações entre homens e mulheres. Ambas as situações apresentam aspectos e características que, somadas aos elementos já destacados ao longo de todo o texto – sobre os dilemas relacionados aos caminhos da cidadania no caso brasileiro – compõem o conjunto de desafios relacionados especialmente as estruturas de desigualdades de gênero na consolidação da democracia e na universalização de direitos no país.
Verificamos que estes processos que buscam a democratização do Estado e da sociedade são continuamente influenciados pelas características da cultura brasileira – neste caso específico, da cultura jurídica do país. Ao considerarmos a tensão encontrada nas concepções de igualdade e de tratamento uniforme, por exemplo, vimos o quanto o caráter arbitrário da alocação ou do reconhecimento de direitos está marcado pela falta de definição/delimitação nas configurações do mundo cívico. Estes aspectos são centrais para compreender os desafios na ampliação e na expansão de direitos no país, especialmente quando tratamos da legitimidade da justiça. Contudo, a reiterada descentralização das instituições de justiça pode ser considerada, por muitos estudiosos, um passo importante para o avanço dos processos de democratização, mesmo não resultando em amplos quadros de reconhecimento de direitos.
Esta experiência tem também propiciado um espaço de canalização de demandas ainda não reconhecidas pelo direito formal. Nos casos analisados, os mecanismos informais de negociação promoveram a participação de distintos atores na resolução dos seus conflitos, e tais mecanismos foram capazes de contribuir para a construção do direito de reconhecimento – e sua legimitidade – de acordo com o perfil das partes e com a natureza dos conflitos apresentados. Em sua grande maioria, como dissemos, os conflitos estavam relacionados à convivência intrafamiliar, questão que apresenta dilemas de tratamento no âmbito da justiça formal. Sabe-se, por exemplo, que nos tribunais perpetua-se a lógica do contraditório, não sendo aberto espaço para o diálogo, elemento constituinte da proposta de intervenção do programa, que, segundo os entrevistados, foi central na resolução dos seus conflitos.
Por fim, observamos que os caminhos para a reformulação do direito, no sentido de privilegiar a participação e emancipação dos cidadãos, são complexos. Não bastam modificações pontuais no exercício do direito, tendo em vista que os sistemas tradicionais e os novos mecanismos de acesso à Justiça estão sempre amparados na mesma organização da cultura jurídica, baseada no desenvolvimento histórico da cidadania brasileira. Neste sentido, para se pensar em reformas substantivas de acesso à Justiça é necessário diagnosticar, primeiramente, como se dão os processos de legitimidade da justiça, com especial atenção às formas como os cidadãos reconhecem os direitos operacionalizados pelas instâncias oficiais judiciais e ou extralegais.
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143 Texto produzido a partir de alguns resultados encontrados na dissertação de mestrado da autora.
144 Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais CPDOC/FGV. Especialista em História e Culturas Políticas UFMG. Especialista em Políticas Públicas DCP/UFMG. arianegontijo@yahoo.com.br
145 Podemos encontrar outras reflexões sobre o sistema de justiça nos estudos de: AMORIN, Maria Stella, BURGOS, Marcelo, KANT DE LIMA, Roberto (2002); SADEK, Maria Tereza (1995; 200; 2001); ADORNO, Sérgio (1996); PANDOLFI, Dulce et. al. (1999), D’ARAÚJO, Maria Celina (1996).
146 Cappelletti e Garth (1988) buscaram analisar a partir do “Florence Project” os obstáculos jurídicos, econômicos, sociais e psicológicos que dificultavam ou impediam a utilização do sistema jurídico, visando compreender como cada país (democracias modernas) apresentavam seus diferentes esforços para superar estes obstáculos. Os autores, Cappelletti e Garth (1988) identificaram três waves of reform no access-to-justice movement: (i) a garantia de acesso à justiça para os pobres; (ii) a representação dos direitos difusos e a (iii) informalização dos procedimentos de resolução de conflitos.
147 Os direitos sociais representam: o direito de acesso aos bens e serviços públicos como, por exemplo: o direito à moradia, o direito à saúde, o direito à educação, o direito à segurança pública, entre outros.
148 Um exemplo de estudo sobre o Juizado Especial de Pequenas Causas é a pesquisa realizada na cidade do Rio de Janeiro por D’Aráujo (1996).
149 Um exemplo de estudo sobre o Juizado Especial Criminal (JECRIM) é a pesquisa realizada na região metropolitana do Rio de Janeiro por Amorim; Burgos; Kant de Lima (2002). Outro estudo abordou o JECRIM de Belo Horizonte, para acesso aos dados ver Batittucci e Santos (2010).
150 Para maior compreensão da atuação do Balcão de Direitos, concebido pela ONG Viva Rio, ver Souza Neto (2001).
151 A Secretaria de Estado de Defesa Social/MG é responsável por promover a segurança da população de Minas Gerais desenvolvendo ações de prevenção à criminalidade, integração operacional dos órgãos de Defesa Social, custódia e reinserção social dos indivíduos privados de liberdade, proporcionando a melhoria da qualidade de vida das pessoas. Disponível em: www.seds.mg.gov.br. Acesso em 10/01/2012.
152 Para melhor compreensão das atividades de ensino, pesquisa e extensão do Programa Pólos de Cidadania, acessar: http://www.polos.ufmg.org.br. Último acesso em 10/01/2012.
153 Graduada em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1962). Graduada em Licenciatura Plena em Direito Usual e Legislação pela Fundação Educação para o Trabalho de Minas Gerais (1975). Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (1989) e doutora em Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1997). Pós-Doutora em Metodologia do Ensino e da Pesquisa pela Universidade de Barcelona/CAPES, em 2002. Atualmente é professora associada aposentada da Universidade Federal de Minas Gerais. Foi uma das fundadoras do Programa Pólos de Cidadania da Faculdade de Direito da UFMG.
154 Muitas são as concepções sobre a noção de ideologia, com origens clássicas e ampliadas no campo das ciências sociais e humanas, mas uma análise interessante sobre suas características pode ser vista em Motta (2009), ao se aprofundar nos estudos relacionados aos desafios e possibilidades na apropriação da cultura política pela historiografia.
155 Falcão apud Junqueira (1996) elaborou um texto que se tornou referência para o campo naquele período. A partir da preocupação com a democratização do Poder Judiciário, ele analisou o acesso à Justiça como um mecanismo que pode ou não estar a favor da implementação da representação coletiva dos cidadãos, como aperfeiçoamento democrático (Junqueira, 1996: 04); tendo em vista que no início dos anos 80, surgem novos conflitos coletivos, que não eram encaminhados ao Poder Judiciário, cujo acesso lhes era negado, portanto, esses conflitos eram remetidos a outras arenas, informais e paralelas, e até mesmo ilegais de resolução de conflitos.
156 Sobre a influência dos “juristas garantistas” ver os estudos de Sinhoretto (2006), que aborda alguns destes personagens da cena brasileira, que além da atuação no campo do saber jurídico e da prática judiciária, desenvolviam atividades políticas em outras instâncias, voltados à discussão da “realidade brasileira” e o “acesso à Justiça”.
157 A noção de pluralismo jurídico se contrapõe à imagem de uma sociedade homogeneizada, embasada nos pressupostos do direito estatal. Tal perspectiva ressalta, na verdade, as fraturas existentes entre os distintos segmentos sociais; demonstrando, principalmente, o potencial libertário das organizações comunitárias. Ou seja, declarando que outras instâncias sociais também produzem direitos não oficiais e administram conflitos por meio de mecanismos extralegais, como os encontrados em “Pasárgada”, de Boaventura de Souza Santos (Santos apud Junqueira, 1996: 04).
158 D’Araújo (1996) corrobora o argumento de Junqueira (1996) ao mencionar que os grupos populares acessaram pouco as novas instâncias oficiais de resolução de conflitos. Em análise sobre os Juizados Especiais de Pequenas Causas, implantado na cidade do Rio de Janeiro, que tinha por objetivo atender especialmente as comunidades do Pavão/Pavãozinho/Cantagalo, entre outras favelas cariocas, percebeu-se que grande parte das pessoas que acessaram os Juizados para resolver conflitos, não estava relacionado às classes populares e sim os moradores da zona sul da cidade (D’Araújo, 1996).
159 Importante salientar a história, mesmo que de forma breve, dessa personagem do cenário mineiro, uma vez que a mesma é considerada figura central na cena pública belorizontina, sendo reconhecida por sua militância e atuação junto aos movimentos sociais. Helena Grego, natural de Abaeté, em Minas Gerais, graduou-se em Farmácia, em 1937, pela Faculdade de Farmácia da antiga Universidade de Minas Gerais, que em 1965 foi renomeada como Universidade Federal de Minas Gerais. A militante é reconhecida nacional e internacionalmente por sua atuação política. Foi uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores (PT) e primeira vereadora na Câmara Municipal de Belo Horizonte, onde exerceu dois mandatos, de 1982 a 1992. Teve participação ativa em praticamente todos os movimentos e lutas que envolvem o binômio Direitos Humanos e Cidadania. Foi idealizadora e criadora de várias entidades; entre elas, a Coordenadoria de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de Belo Horizonte, o Conselho Municipal da Mulher, o Fórum Permanente de Luta pelos Direitos Humanos de Belo Horizonte, o Grupo de Trabalho Contra o Trabalho Infantil e o Movimento Tortura Nunca Mais. Foi agraciada com vários prêmios e distinções: Prêmio Chico Mendes de Resistência (1995), Prêmio Cidadania Mundial (1999) e o Prêmio “Che” Guevara (2002), entre outros. Além disso, foi designada para receber o Prêmio Estadual de Direitos Humanos, em 1998, e foi uma das principais homenageadas por ocasião das comemorações nacionais dos 20 anos do PT, em fevereiro de 2002. Faleceu no dia 28 de julho de 2011 em Belo Horizonte.
Disponível em: http://www.ufmg.br/copi/sempre-internas.php?p=submenu&menu_key=2&cont_key=86. Acesso em 10/01/2012.
160 Foi com base na concepção do Núcleo de Mediação e Cidadania que, em momento posterior, foi formulada a proposta do Programa Mediação de Conflitos.
161 Outra prática, similar a estas propostas, mas anterior a elas, na década de 80, foi à implantação dos Centros Comunitários de Defesa da Cidadania no Rio de Janeiro, os denominados CCDCs.
162 Em virtude da opção teórico-metodológica adotada, não trabalharemos com os modelos de análises de políticas públicas, mesmo sabendo da importância dos mesmos para o tema em tela. Salientamos que tal perspectiva analítica poderá certamente ser objeto de uma pesquisa/trabalho futuro. Destacaremos somente o quão importante e influente foram dois atores no processo de absorção do Núcleo de Mediação e Cidadania pela Secretaria de Estado de Defesa Social – com o nome de Programa Mediação de Conflitos. Vinda da universidade, destacamos especialmente uma das idealizadoras do Programa Pólos de Cidadania, já citada ao longo do texto, a entrevistada Miracy Gustin. Quando pensamos em quadros político-partidários e técnicos, destaca-se a atuação de um dos principais gestores do governo do estado de Minas Gerais, o hoje Governador, Antônio Anastasia, que à época liderou a campanha e o modelo de gestão do ex-governador Aécio Neves. Além disso, Anastasia durante o período de 2005 ocupava o cargo de Secretário de Estado de Defesa Social (SEDS), acumulando a função de Secretário de Planejamento e Gestão (SEPLAG).
163 A política de prevenção à criminalidade em Minas Gerais começa a ser desenvolvida pela antiga Superintendência de Prevenção à Criminalidade (SPEC) que, atualmente, é denominada Coordenadoria Especial de Prevenção à Criminalidade (CPEC). Tal órgão teve sua criação determinada pela Lei Delegada 56 – Resolução 5210 de 12 de Dezembro de 2002, tendo sido instituído no organograma da Secretaria de Estado de Defesa Social/SEDS do Governo do Estado de Minas Gerais, com o propósito de “trabalhar com a devida importância as propostas de prevenção social à violência urbana e implantar no campo das políticas públicas este novo paradigma, de pensar a segurança pública como política social que garanta em primeiro lugar a qualidade de vida de todos” (LEITE, 2007: 10).
164 Governador do Estado de Minas Gerais/PSDB durante dois mandatos: 2003-2006 e 2007-2010.
165 Essas modificações podem ser vistas nos seguintes documentos: ENTREMEIOS: Mediação, prevenção e cidadania (2007); PROGRAMA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS (2009); MEDIAÇÃO E CIDADANIA: Programa Mediação de Conflitos (2010); PROGRAMA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: uma experiência de mediação comunitária no contexto das políticas públicas (2011).
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