Esse é, invariavelmente, um aspecto gerador de impasses quando negociamos diferenças. A pergunta sobre como lidar com esses personagens surge aqui e ali em cenários diversos. Os integrantes dos cursos e palestras sobre Diálogos, Tomadas de Decisão e Resolução de Controvérsias, temas da minha prática e do meu encantamento, mostram curiosidade para receber dicas sobre o manejo de negociações com pessoas que categorizamos como difíceis.

A literatura passeia pelo tema identificando diferentes perfis pessoais e distintos cenários como difíceis, oferecendo dessemelhantes reflexões, táticas e dicas a respeito de seu manejo.

Fui à minha biblioteca e juntos estavam na estante: Difficult Conversations – how to discuss what matter most, de Douglas Stone, Bruce Patton e Sheila Heen; Supere o Não – negociando com pessoas difíceis, de William Ury; Bargain with the Devil – when to negotiate, when to fight, de Robert Mnookin; Working with difficult people, de Muriel Solomon. Os três primeiros, bebendo da mesma fonte – o Negotiation Project de Harvard, e Muriel, consultora corporativa por décadas e autora e inúmeros artigos, oferecendo táticas pautadas em business communication. Por fim, encontrei também na prateleira: Trabalhando com o Inimigo – como colaborar com pessoas das quais você discorda, não gosta ou desconfia, de Adam Kahane, e identifiquei a oportunidade de fazer referência ao seu pensamento neste Leia Comigo.

Resolvi então, ao invés de me dedicar às reflexões de uma única obra, abraçar as ideias convergentes das cinco obras e compartilhar com o leitor… Ideia ousada, que incluirá também meu mix de reflexões a respeito, construído pelos anos de prática, que expresso na conclusão desta resenha.


Conversando com Douglas Stone, Bruce Patton e Sheila Heen –
Difficult Conversations – how to discuss what matter most.

 Para esse trio oriundo da Metodologia de Negociação de Harvard, as conversas difíceis tangenciam aspectos críticos da interação humana – percepção de vulnerabilidade, de baixa autoestima, de resultados incertos no que diz respeito aos assuntos que importam ou às pessoas pelas quais se tem apreço –, e com frequência nos levam a evitar sua ocorrência ou ao seu manejo inadequado. Concluem os autores dizendo que conversas difíceis fazem parte da vida, assim como manejar o medo e a ansiedade desencadeados por elas, abrir mão do resultado perfeito advindo delas e aceitar o melhor possível, admitindo que se estamos frágeis nesses contextos também somos resilientes para enfrentá-los.

O livro tem a intenção de combinar mente, coração e habilidades (skills) para alcançar uma comunicação efetiva na negociação de diferenças em distintos contextos, não somente no que acreditamos de difícil trânsito.

Identifica nas conversas difíceis uma estrutura comum que contempla, em realidade, três conversações em paralelo:

 

  • desacordo sobre o que ocorreu (what happened conversation), que diz respeito à percepção, interpretação e aos valores de cada envolvido;
  • questionamento sobre expor/validar os sentimentos percebidos em si próprio e no outro (feeling conversation);
  • um debate interno sobre autoimagem, autoestima e bem-estar futuro (identity conversation).

 

Resultado: nesses cenários, invariavelmente, aprendemos sobre nós mesmos e sobre o outro! E, se assim acreditamos, podemos transformar conversas difíceis em conversas de aprendizado.

As dicas dos autores para lidar com esses três cenários aparecem na sequência:

 

  1. What happened conversation

 

  • Explore as diferentes histórias – em lugar de perguntar sobre quem está certo, explore, com curiosidade, as demais histórias; diferentes histórias nascem de diferentes visões de mundo, distintas informações, dessemelhantes vieses interpretativos. Na sequência, tente colocar um & entre as distintas versões.

 

  • Discrimine intenção de impacto – não assuma que sabe o que o outro quis dizer… você corre o risco de incorrer em dois grandes equívocos:(i) de acordo com o impacto sobre nós, assumimos que identificamos corretamente a intenção do outro, geralmente negativa, e a traduzimos como questão de caráter – quando se trata de nós mesmos costumamos ser mais benevolentes!

    (ii) boas intenções podem provocar impactos ruins – por isso devemos fazer perguntas de esclarecimento para checar intenções, tratando nossa interpretação como hipótese, e não como verdade.

 

  • Abandone a culpa e investigue possível co-responsabilidade – culpa diz respeito a julgamento (que é regido por critérios e vieses pessoais); co-responsabilidade diz respeito à interação com o outro e nos implica. A culpa olha para o ocorrido e a co-responsabilidade para a prevenção relativa ao futuro, encorajando aprendizado e mudança.

 

     2 – Feeling conversation

  • Sentimentos costumam ser o cerne das conversas difíceis – quando não expressos podem invadir as conversas, fazer escalar o conflito, dificultar a escuta, cegar nossa percepção.
  • Explore e aceite seus sentimentos e os do outro – considere os sentimentos do outro tão importantes quanto os seus. Os sentimentos de ambos estão na base dos julgamentos e das acusações, na tradução que fazemos do outro e de seus atos (e vv).
  • Expresse seus sentimentos – com cuidado, sem julgamento e de forma descritiva; fale na primeira pessoa sem acusar; compartilhe sem avaliar ou monopolizar a situação (vitimização). Estabelecer comunicação na direção de resolver uma questão é tão crítico quanto expressar sentimentos de forma adequada. Se esforce!

 

     3 – Identity conversation

  • As conversas difíceis ameaçam a nossa identidade – aceitarmos que cometemos erros e somos parte do problema são temas que podem nos instabilizar. O autoconhecimento e estar preparado para prováveis reações do outro e para o aprendizado a respeito do outro (e de si mesmo) são focos que nos distanciam da ameaça à nossa identidade. Mude sua lente!
  • Atenção aos ganhos de curto prazo com custos no longo prazo. Evite!
  • Se distancie do binômio certo e errado, e pense em administrar diferenças!
  • Também se distancie da imposição de uma solução, convidando o outro para criarem juntos uma solução com co-responsabilidade!
  • Ouça e apresente suas ideias não como verdades, mas como diferentes percepções, distintas perspectivas. Admita que sua visão é parcial!
  • Esteja atendo a alternativas que considerem as diferentes perspectivas de todos os envolvidos. Utilize E em vez de OU!

 

Conversando com William Ury – Supere o Não – negociando com pessoas difíceis.

Essa obra responde à pergunta que sempre surge para Ury em suas explanações sobre habilidades de negociação: “…e se o outro lado não leu seu livro… e se desconhece esses princípios de negociação que você ensina, como lidar”?

Com a proposta de transformar oponentes em parceiros, Ury nos oferece cinco passos nessa direção, logo apresentados no índice do livro, e que guiarão a exposição estruturada de suas ideias. Aqui, eles seguem na sequência, tornado simples a profundidade das ideias do autor, pois que traduzidos em um único parágrafo:

 

  • Não reaja: suba à galeria – revidar, ceder, romper são reações impulsivas, que nos distanciam de nossos interesses e do outro. Segundo Ury, o prêmio de uma negociação (difícil) não seria fazer prevalecer sua posição, e sim satisfazer seus interesses. E conclui, se a má notícia é perceber que você contribui para o círculo vicioso ação/reação, a boa notícia é que você tem o poder de romper o círculo, a qualquer momento, unilateralmente.

Subindo à galeria – se distanciando da cena – você pode mapear seus interesses e melhores alternativas; decidir se vale a pena negociar e pensar estratégias; conhecer seus pontos fortes e fracos; fazer uma pausa e se distanciar de reações impulsivas.

  • Desarme-os: passe para o lado deles – significa oferecer ao outro uma escuta atenta, que demonstre respeito ao seu ponto de vista por meio de resumos (parafraseios), para checar seu entendimento e demonstrar escuta e entendimento (não concordância). Significa respeitar os sentimentos do outro, pedindo desculpas se necessário, concordando sem fazer concessões sempre que puder; significa expressar suas opiniões sem provocações, reconhecer as diferenças entre ambos e criar um clima favorável à negociação.

 

  • Mude o jogo: não rejeite…reformule – mostre interesse e faça perguntas que ajudem a identificar os interesses do outro. Com ele crie hipóteses – e se… e contorne obstáculos; faça solicitações razoáveis e negocie as regras do jogo. E por fim, reformule: eu e você por Nós.

 

  • Facilite o sim – construa uma ponte dourada – construir uma ponte dourada significa ajudar seu oponente a transpor obstáculos ao entendimento: não pressione ou insista, mas traga o outro para a direção que deseja, facilitando a solução em co-autoria e preservando sua dignidade (de ambos). Desenvolva ideias junto e fique atento às necessidades humanas básicas (reconhecimento, respeito, confiança) e às motivações intangíveis (prestígio, preservação da imagem e da autoestima). Ajude seu oponente a escrever o discurso da vitória – se ele/a precisar flexibilizar posições, que essa mudança seja atribuída a circunstâncias/alterações de cenário, e não ao equívoco de seu oponente. Não tenha pressa para dar conta dessa estratégia!

 

  • Dificulte o Não – faça-os caírem em si, não de joelhos – use um mínimo necessário de poder para orientar em direção à adequada solução do problema (benefício mútuo) e faça perguntas para testar a realidade. Advirta, não ameace – o que acontecerá se não chegarmos ao entendimento? Apresente suas melhores alternativas sem provocação e, se for o caso, proponha um terceiro para facilitar o diálogo. Propicie ao seu oponente a possibilidade de ter escolhas e saídas honrosas; mesmo quando você pode vencer, negocie – seu objetivo é a satisfação mútua, não a vitória!

 

Conversando com Robert Mnookin – Bargain with the Devil – when to negotiate, when to fight.

Mnookin é árbitro e mediador de questões comerciais complexas, um líder harvardiano no campo das negociações. Logo esclarece que utiliza a expressão bargain, de bargain with the devil, significando tentar resolver um conflito via negociação, antes de utilizar medidas coercitivas; e categoriza como ‘atos devil’ aqueles que estão, intencionalmente, direcionados a infringir grievous harm (injúria física deliberada) em outro ser humano, sem que haja justificativa. Por vezes são atos únicos e por vezes repetitivos, o que caracterizaria uma evil person. Assim, Mnookin categoriza o terrorismo e alguns outros personagens e passagens da história, como Hitler e o nazismo.

É desafiante percorrer com o autor vários contextos  – global devils, business devils e family devils, e de cada um extrair reflexões, tangenciando sempre temas que Mnookin coloca como desafios nesta seara – reconhecimento, legitimidade e moralidade; a avaliação de custos e benefícios devidos a negociar e a não negociar nessas situações; as alternativas advindas de dita negociação, assim como da não negociação, além de avoiding common traps – como demonização e desumanização do outro, jogos de soma zero (vencedor x perdedor), reações automáticas para a luta, chamando o outro para o combate.

Sobre o reconhecimento do outro como ator em uma negociação em que estejamos envolvidos e sobre a legitimidade desta negociação e do pleito do outro, no cenário bargain with the devil, o autor chama a atenção para possível dissonância entre as análises dos distintos envolvidos e a importância de cada um se fazer essas perguntas e conhecer a resposta do outro. Quanto ao tema da moralidade da questão e da negociação, Mnookin chama a atenção para seu desafio, uma vez que julgamentos morais advém de nossa subjetividade – de uma interação entre intuição e análise. Pondera, no entanto, que mesmo havendo dissonância quanto à moralidade não devemos ignorar princípios morais que consideramos devam ser observados.

Mookin nos oferece um framework (guide lines) que poderia ser aplicado a qualquer negociação, no texto caracterizado por thinking outside the box. A identificação de interesses e de melhores alternativas, dentro e fora da mesa, de todos os envolvidos; dos impactos da negociação para todos e a identificação dos mútuos benefícios das propostas aportadas; sistematicamente comparar custos e benefícios esperados para todos e uma realística análise de implementação de um acordo – sua exequibilidade, compõem esse framework. O autor agrega um alerta adicional: e se o outro não cumprir, poderá ser obrigado a fazê-lo? E faz uma recomendação: se você negocia com o Devil, você deve desenvolver alternativas extras, pois precisará delas se o combinado não funcionar.

 

Conversando com Muriel SolomonWorking with difficult people – quando o outro, com quem você trabalha, é beligerante, arrogante, enganoso, descortês, abrasivo, autocentrado, inflexível, crítico. Muriel transita por todas essas possibilidades em seu livro, oferecendo tactical talks & tips. O que há de comum entre as táticas apresentadas pela autora é a proposta de ações lógicas com foco na comunicação interpessoal, em lugar de reações emocionais. Foi interessante passar os olhos pelos 30 capítulos, encontrando táticas para diferentes situações e perfis difíceis, mas minha boca torta pelo cachimbo do pensamento sistêmico implicou com a visão linear oferecida pela obra, que identifica a dificuldade no perfil funcional do outro, e não na relação, na interação que também nos inclui. Minha formação multidisciplinar me fez coçar a cabeça enquanto lia.

Fica a dica de leitura para os que tenham maior afinidade pela equação linear causa & efeito ou identifiquem situações em que uma mesma pessoa é recursivamente integrante de disrupturas comunicacionais em distintas relações, e a autoimplicação não mostra alternativas de manejo.


Conversando com Adam Kahane –
Trabalhando com o inimigo – como colaborar com pessoas das quais você discorda, não gosta ou desconfia.

Kahane é pesquisador, físico e graduado em economia de energia, que sempre teve em mente trabalhar com desafios, exercitando essa paixão em planejamentos corporativos no cenário global. Sua inserção na transição do apartheid para o regime democrático na África do Sul, em 1991, redefiniu seu pensamento sobre resolução de situações complexas – diz o autor: não se dá pelas mãos de especialistas, mas pelas mãos dos próprios atores, incluindo equipes que congregam inimigos, colaborativamente.

 

Do contato com essa obra extraí a distinção entre colaboração tradicional e colaboração estendida:

  • a colaboração tradicional – como valor moral ou aquela que segue um plano a ser conduzido em harmonia, visando objetivos comuns, segundo o autor, está se tornando obsoleta;
  • a colaboração estendida – seria aquela que congrega distintos interesses e na qual se depende do outro para avançar/resolver um impasse (que ele também deseja resolver). Nessa natureza de colaboração você está em uma situação de interdependência – sem o outro não há possibilidade de avance, de solução. Uma única saída: negocie as diferenças e trabalhe junto com o outro para encontrar soluções!

Pelo exposto, Kahane considera as situações que geram colaboração estendida como de alta complexidade e pouco controle, por consequência.

O conceito de colaboração estendida Kahane extrai da experiência com a apartheid, e assegura que requer elasticidade de todos os atores, em três dimensões;

  • aceitar o conflito e a conexão com o outro (interdependência), flexibilizando e acolhendo diferenças;
  • aceitar que, por vezes, são situações que não permitem acordos definitivos – é necessário experimentar acordos provisórios para firmar o passo ou redefini-los;
  • também é necessário entrar em campo de corpo inteiro e ter disposição para tentar coisas novas – estar disponível para alterar o que se está fazendo/propondo.

A interdependência e o gol comum são os ingredientes que justificam colaborar com pessoas das quais você discorda, não gosta ou desconfia.

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Conclusão

Minha experiência prática no campo da facilitação de diálogos tem lidado com as pessoas difíceis descritas no perfil mencionado por Stone, Patton e Heen – percepção de vulnerabilidade, de baixa autoestima, de resultados incertos no que diz respeito a assuntos que importam ou a pessoas pelas quais se tem apreço – e desses autores adoto as reflexões acima mencionadas como guias de intervenção nas cenas que reúnem esses perfis.

Tenho também transitado pelo cenário descrito por Kahane no meu trabalho – a interdependência e o gol comum são os ingredientes que justificam colaborar com pessoas das quais você discorda, não gosta ou desconfia – e, muitas vezes, convido os clientes que atingiram esse grau de escalada do conflito a considerarem essa máxima.

Os 5 passos propostos por Ury em Supere o Não, são bíblicos e muito potentes na busca da manutenção de diálogos com fluxo entravado pelo perfil e pelo cenário descritos nos dois parágrafos acima.

Há um belo encaixe complementar entre essas três obras e as reflexões oferecidas por seus autores. Me encanta perceber como distintos mindsets, como os dos autores com quem conversamos acima, e suas percepções parciais de um todo complexo, dialogam e agregam valor ao cenário das conversas difíceis (gosto mais do que pessoas difíceis), que implicam em negociar diferenças sobre temas significativos para seus atores. Um desafio para quem atua na facilitação de diálogos!

Me despeço por aqui convidando você a conhecer a coletânea de e-Books EM POUCAS PALAVRAS… em que compartilho muito do que vivencio na minha atuação profissional, e estendendo o convite para nos encontramos nos espaços de aprendizado – cursos e wokshops – em que esses temas são ventilados.

Grata!