São muitos anos de prática e de docência em Mediação e Facilitação de Diálogos. Muito aprendizado. Os textos acadêmicos e os livros estão dando lugar, nesse momento, a reflexões curtas. Alunos e mentorados em Mediação, recursivamente, me pedem para repetir frases (nem sempre consigo) e me dizem que anotam muitas delas para reler depois. Percebo que as frases às quais se referem resultam de um mix do que já li e do que já utilizei na prática da coordenação de diálogos, acrescidas do meu jeito de fazer e de narrar essas vivências.

Com essas falas iniciei um livreto de aforismos – frases com definição breve de conceitos amplos, visando provocar reflexão. O objetivo do livreto é contribuir com o propósito de compartilhar o conhecimento que venho coletando e de construir um legado, uma das metas do meu momento de vida atual.

Em Conversando sobre Mediação e Facilitação de Diálogos vou visitar alguns desses aforismos e discorrer brevemente sobre o que me faz tomá-los, a partir da experiência, como temas que merecem reflexão. Nessa direção, vou complementar a série Caixa de Ferramentas em Mediação I & II, oferecendo novos aportes.

A frequência será mensal e os textos serão curtos, guardando coerência com o conceito de aforismos e com meu estilo coloquial e conciso, que busca linguagem simples sobre temas complexos.

Desejo que sejam úteis!

PRÉ-MEDIAÇÃO

A pré-mediação corresponde a 50% do trabalho em uma Mediação.

Atuando na docência da Mediação há quase 30 anos (a primeira turma de capacitação em Mediação no MEDIARE data de 1998), sou continuamente convidada por alunos a responder perguntas de cunho prático. Muitas vezes, me percebo reproduzindo a frase do título desse texto, que compõe o conjunto de aforismos que venho colecionando, e motiva essa reflexão.

Adotei esse aforismo como paradigma, e tenho me concentrado, primordialmente, em dois propósitos, na pré-mediação:

(i) oferecer informações sobre o procedimento e minha atuação;
(ii) mapear a situação que os discordantes trazem à mesa.

Em síntese, para dar conta do primeiro propósito mencionado acima – oferecer informações sobre o procedimento e minha atuação -, e norteada pelo princípio da adequação, após a escuta atenta sobre o que motiva a Mediação, do ponto de vista de cada participante, ofereço informações na medida em que se articulam com as questões trazidas, a emoção que as acompanha, e o perfil dos mediandos.

Complemento, então, com linhas gerais sobre o procedimento e seus princípios éticos, além dos benefícios do instituto, sempre articulados a cada tema do caso concreto descrito.

Sobre o procedimento e seus princípios, destaco:

  • a autocomposição, o que já abriga a ideia de autoria;
  • a confidencialidade, o que já abriga o exercício da transparência e da boa fé;
  • a minha atuação, ativamente imparcial, o que já abriga uma condução que se distancia do julgamento e da defesa de pontos de vista.

Percebi, ao longo do tempo de prática, que o discurso protocolar do longo check list que academicamente ensinamos e aprendemos ocupa tempo considerável do primeiro contato, e provoca pouca escuta nos mediandos. Eles chegam precisando falar e ficam nos olhando, diante de uma extensa exposição inicial, como se tudo compreendessem e com tudo concordassem. Ledo engano. Corremos e risco de dar por ticada a pré-mediação, sem que ela tenha cumprido suas especiais finalidades – entender o procedimento e nele identificar pertinência para as questões trazidas à mesa e o jeito como cada um pretende resolvê-las.

O método vai fazer sentido, genuinamente, para cada mediando, se seus benefícios e protocolos encaixarem com suas preocupações e expectativas. Sendo assim, amarro os benefícios a pontos individualmente trazidos como relevantes, pelos envolvidos. Percebo que, conduzindo a pré-mediação dessa forma, a adesão ao instrumento se dá pela identificação individual de ver determinadas demandas sendo bem cuidadas, mais do que pela metodologia do procedimento.

Meu segundo propósito – mapear a situação que os discordantes trazem à mesa – se realiza enquanto ofereço tempo e espaço para as pessoas compartilharem uma síntese de suas versões e expectativas sobre diálogo que está sendo proposto. Como não estou focada em cumprir o check list clássico da pré-mediação, divido minha atenção com:

  • a natureza de cada fala – mais objetiva ou mais subjetiva; com mais foco nas conquistas ou nas perdas; mais voltada ao futuro ou ao passado; mais dedicada a resolver do que a responsabilizar o outro.
  • a existência de outros atores direta ou indiretamente envolvidos – a rede de pertinência que também será implicada no resultado da negociação; aqueles que fomentam o entendimento ou a escalada da desavença.
  • as tentativas de solução realizadas – com maior ou menor sucesso, com auxílio ou não de outros terceiros.
  • os impasses e as expectativas – o que pode criar obstáculos e o que pode atender demandas.
  • a pauta objetiva e a pauta subjetiva – os temas tangíveis e os intangíveis, especialmente aqueles relacionados ao histórico da relação e ao fomento, ou não, de sua continuidade.

Enfim e por fim, fica a reflexão: talvez a experiência traga para todos nós habilidades não inicialmente previstas para o exercício de uma prática, sem que deixemos de incluir os cuidados entendidos como necessários.

Afirmar que a pré-mediação corresponde à metade do trabalho em uma Mediação vem da percepção de que é dos momentos mais ricos para o contato com informações relevantes sobre as pessoas e seus temas, e mais propícios à geração de adesão ao instrumento, pelos mediandos. Manter essa conquista fica por conta da outra metade do trabalho em coautoria, que envolve mediandos e mediadores.

Sobre a adesão dos advogados, conversamos um outro dia.

Venho publicando, a cada mês, textos curtos e distintos para mediadores e para lideranças corporativas. Neste mês de outubro, ao me dedicar ao tema Resumos, identifiquei que seria útil compartilhá-lo com os dois públicos. Assim o fiz, oferecendo um cabeçalho e propósitos dessemelhantes a cada um, pois os resumos estarão a serviço de finalidades distintas em cada um desses campos.

RESUMOS

Os resumos atravessam todo o procedimento de Mediação, cumprindo distintas metas em sua trajetória, mas sempre aproximando os mediandos de uma visão mais organizada e compartilhada da questão que os envolve.

É extremamente gratificante receber um resumo sobre algo que se tenha falado, condensando os pontos relevantes de nossa exposição, em intenção e conteúdo, demonstrando que houve uma escuta atenta, interessada e não enviesada. Somente uma tradução simultânea em poucas palavras.

Não é tarefa simples, uma vez que exige atenção plena para a mensagem, de modo a não deixar de incluir conteúdo e forma. Uma escuta com ouvidos e olhos, para que o verbal e o não verbal sejam apreendidos. As motivações são várias, mas os impactos de receber um resumo adequado se assemelham: fui escutado/a e entendido/a. Um presente!

Quando expomos nossas ideias, sentimentos, preocupações, utilizamos a janela de tempo que consideramos necessária para expô-los com propriedade e ênfase adequada. Como toda comunicação humana, nossa mensagem – seja de compartilhamento ou de defesa de ideias – tem sempre o outro como meta.

Para termos a propriedade e a ênfase que desejamos conferir ao texto falado, recorremos à nossa subjetividade e tomamos nossa necessidade de exposição como referencial. Com frequência, vamos traduzir nossas ideias, sentimentos e preocupações, dizendo e redizendo o mesmo “n” vezes e de distintas maneiras. Esse ir e vir ganha os contornos de cada cultura, e vale a pena dedicar atenção ao padrão de cada contexto, de cada cenário.

O porquê da repetição? Para nos reassegurarmos de que a mensagem foi compreendida. Porque restam dúvidas sobre termos provocado escuta e consideração. Porque já nos sentimos não compreendidos antes com aqueles interlocutores… As motivações são variadas.

Utilizamos os minutos para nossa exposição sem olhar o relógio, e por vezes esquecemos que o tempo é um bem compartilhado. Se numa conversa com hora determinada para acabar – reuniões, seminários, workshops – utilizo mais minutos do que os que foram destinados à minha expressão, deixo os demais com menos tempo. Única invariável na vida: o dia tem 24h. Não nos lembramos da existência de outros falantes, com necessidade de expor ou contrapor igual ou semelhante à nossa, somente temos em mente que queremos dizer o que consideramos pertinente. Kronos, o tempo do relógio, e kayros, o tempo das pessoas, por vezes não conversam!

Aliás, nos lembramos do outro, sim, para escolher nossa linguagem e nossa veemência. E dependendo do contexto da conversa, o tom de defesa e de assertividade do que estamos expondo completa a cena, e nos esquecemos que conteúdo (informação) e forma (relação) – a maneira como me permito tratar o outro ou acredito que deva ser tratado -, conferem temperatura maior ou menor ao ambiente, determinam maior ou menor propriedade à linguagem (verbal e não-verbal) que escolhemos para aquela comunicação, impactando em maior ou menor grau a escuta do outro.

Em paralelo, nada garante que nossa mensagem está sendo recebida com a intenção que a motiva e com a importância que a ela conferimos. O interlocutor vai interpretá-la segundo seus próprios referenciais, seus paradigmas particulares construídos ao longo da vida e da relação conosco, seu momento de vida, o contexto da nossa interação (social, profissional, de disputa, de colaboração). Uau! Um mosaico de fatores pode contribuir para a construção de um abismo entre a intenção de quem fala e a interpretação de quem recebe o conteúdo, sem que ambos tenham percebido. Continuamos falando movidos pelos “n” elementos que nos motivam e o outro continua interpretando de acordo com os “n” elementos que permeiam sua escuta. Uma Torre de Babel!

E assim seguimos na conversa cordial ou nos desentendimentos, como se a comunicação estivesse se dando com fluidez, movidos por essa forte e convicta suposição (paradoxo proposital)! Pode ser que a fluidez da conversa não se equipare à fluidez da comunicação e, quem pode pôr ordem nessa confusão organizada são justamente as perguntas de esclarecimento (que pouco utilizamos) e os resumos voltados ao alinhamento do entendimento.

Oferecidos pelo próprio interlocutor ou por um terceiro, os resumos chegam para salvar nossa comunicação com o outro e conferir-lhe entendimento, compreensão do que ambos aportam à conversa, além de viabilizar fluidez no diálogo e na interação.

Eles devem, preferencialmente, ser oferecidos na primeira pessoa do singular (ferramenta que os americanos chamam de I message) para possibilitar que o outro acrescente, corrija, ratifique, retifique: “Vê se eu compreendi corretamente…Eu entendi que…Minha percepção foi que…”. A posição, digamos, down, da autoria daquele que oferece um resumo, permite e autoriza a correção, especialmente porque o objetivo não é traduzir com exatidão, mas alinhar o entendimento.

Nas conversas em que a compreensão tenha relevância e, invariavelmente, nas tomadas de decisão em parceria, os resumos são uma habilidade fundamental a serviço do entendimento.

Eles podem falar da intenção apreendida. Eles devem sanear a linguagem utilizada. Eles precisam ser claros e concisos. Eles necessitam mostrar convergências de propósitos mais do que de ideias. Eles organizam uma ou várias falas sequenciadas. Eles colocam divergências em conversa, e não em confronto. Eles desenham pautas de conversa. Eles assinalam prioridades individualmente identificadas. Eles reportam sentimentos. Eles funcionam como tradutores simultâneos.

Como tradutores simultâneos, os resumos viabilizam, em tempo real, que as falas seguintes possam ser ajustadas; demonstram, para quem falou, que houve escuta e correto entendimento de seu conteúdo e, em paralelo, que aquela narrativa poderia ter sido oferecida de forma mais cuidadosa e mais concisa. Em paralelo, favorecem a escuta do(s) interlocutor(es), pois ganham a voz de quem está buscando alinhamento e compreensão na conversa. Tudo de bom!

Os resumos podem atravessar todo o processo de diálogo, se dedicando ao tema que prevalece em cada etapa da conversa, acompanhando pari passu os assuntos, sua exploração, consonâncias e dissonâncias, tomadas de decisão. Eles podem ser um organizador e sequenciador da evolução das conversas.

Na prática da Mediação de Conflitos, por onde transito semanalmente (leia em Caixa de Ferramentas em Mediação: aportes práticos e teóricos, páginas 90 e 284), os resumos atravessam todo o processo de diálogo e vão se dedicando ao tema que prevalece em cada etapa do procedimento – pré-mediação, relato das histórias, construção de pauta, geração de alternativas, eleição de opções, redação do Termo de Mediação. Podem ser oferecidos a qualquer tempo, início, curso e final das reuniões.

Resumir é competência (capacidade/conhecimento para exercer algo) requerida ao homem deste início de milênio, que coloca a diversidade no podium e derruba fronteiras entre culturas. É habilidade (qualidade/apuro no desempenho de algo) requisitada no mundo das parcerias, na gestão, na coordenação de equipes, nas salas de tomada de decisão (Mediação, Facilitação de Diálogos), na conversa entre amigos, no trato com a família.

Competência & habilidade indispensáveis na convivência!

Competência & habilidade indispensáveis em mediadores!

ENTREVISTAS PRIVADAS

As entrevistas privadas viabilizam maior proximidade dos mediadores com os mediandos e com a intimidade de seus temas, assim como com suas maiores e menores habilidades. É um momento incisivo de intervenção do mediador em todos esses aspectos.

O cenário privado é, para os seres humanos, sempre favorável à maior intimidade, franqueza e exposição.

Na Mediação, essa linha direta de proximidade com os envolvidos traz inúmeros benefícios e, a eles atrelados, muitos desafios.

Pensando sobre o tema, destaquei alguns verbos de ação pertinentes a esse espaço, todos com sua atividade blindada pelo sigilo, o que confere à sua prática benefícios especiais:

  • Acolher: entrevistas privadas são um cenário especial para mediandos serem acolhidos por mediadores em seus pleitos, sentimentos, emoções e atitudes. Inadequações de ambos os envolvidos podem ser redefinidas, visando ao entendimento, ao esmaecimento da visão do outro como inimigo, à legitimação das dores e temores que sustentam inadequações de ambos os lados.
  • Falar: tanto mediadores quanto mediandos têm oportunidade de fala franca sobre qualquer tema, percepção ou sentimento. Isso viabiliza que a pauta oculta (sempre existente) possa ser revelada. Medos, preocupações, necessidades são temas trazidos com frequência e podem ser endereçados a partir dessas conversas.
  • Perguntar: mediadores e mediandos podem fazer questionamentos de qualquer natureza vinculada ao cenário do conflito, com destaque para as perguntas autoimplicativas formuladas por mediadores, que não têm permissão para fazê-las noutro fórum. A autoimplicação convida cada mediando a perceber as atitudes que favorecem a escalada do conflito e sua desconstrução.
  • Ouvir: mediadores e mediandos precisam exercitar o auscultare (ouvir com atenção), pouco cultivado por mediandos nas entrevistas conjuntas, onde a prática do audire (ouvir porque tem audição funcionante) prevalece. A escuta atenta é veículo para acessar informações que redefinem percepções e podem contribuir para mudanças na postura e no curso de ações.
  • Refletir: consequente ao auscultare. Pensar sobre e com vagar sobre a própria conduta, as necessidades do outro, as alternativas de benefício mútuo e outros temas pode ser meta em algumas entrevistas privadas – uma ótima oportunidade para mediadores conduzirem o trabalho nessas diferentes direções.
  • Empatizar: consequente ao refletir, é uma provocação que mediadores podem fazer aos mediandos durante as entrevistas privadas: convidar ao exercício imaginário da empatia cognitiva (entender a lógica do outro a partir da perspectiva do outro) e da empatia afetiva (entender o sentimento do outro a partir do impacto percebido por esse outro). Em função dessas compreensões, entender demandas e necessidades que precisam ser endereçadas.
  • Flexibilizar: consequente a empatizar. Flexibilizar posições inicialmente rígidas ganha a proteção do âmbito privado, momento em que mediadores podem também ajudar mediandos a rever propostas e demandas anteriormente declaradas, e a encontrar saídas honrosas que justifiquem, frente ao outro, a mudança.
  • Ensinar: penso que para mediadores é uma oportunidade de ouro para ajudar mediandos com menos habilidades em comunicação e/ou em negociação, convidando-os a rever forma, conteúdo e timing de seus aportes ao procedimento. O objetivo desses cuidados é, inclusive, provocar escuta sobre seus pleitos.

Na esteira dos benefícios das entrevistas privadas sempre residem os custos correspondentes, eventuais riscos e, por vezes, o aporte de valiosas informações adicionais que agregam valor à negociação. São sempre um momento de revelações por parte dos mediandos, que frequentemente trazem informações que impactam.

São distintos os impactos e as contribuições possibilitados por essas revelações:

  • Ampliar informações relevantes: em função do que mediadores ouvem de lado a lado, algumas informações podem contribuir de maneira produtiva para a desconstrução do conflito e para a criação de alternativas de solução a serem trabalhadas com cada envolvido, para que possam ser compartilhadas.
  • Entender a lógica do conflito: as entrevistas privadas oferecem acesso à lógica narrativa dos mediandos, seus vieses e preocupações, e podem contribuir para entender o passo a passo da construção do desentendimento, assim como para identificar estratégias de desconstrução.
  • identificar a natureza de alguns impasses: de natureza emocional, por lacuna de informações, por eventual desbalance hierárquico ou de habilidade negocial, muitas são as motivações que podem se constituir em impasse para a fluidez da negociação. Identificar meios para endereçá-las é tarefa do medidor.
  • Destacar convergências e dissecar divergências: mediandos não registram as convergências, os interesses comuns e os complementares durante as reuniões conjuntas. A entrevista privada é momento mais do que oportuno para colocar convergências no pódio, pois aproxima os envolvidos. As divergências – destaques que não fogem aos olhos daqueles em dissenso – terão oportunidade para serem trabalhadas e priorizadas no sigilo dessas reuniões.
  • Trazer informação sigilosa que impacta no resultado: não raro, mediandos trazem informações sigilosas para o âmbito das entrevistas privadas, sendo necessário que mediadores identifiquem as que podem ser mantidas em sigilo e as que precisam ser compartilhadas por interferirem no resultado da negociação. Nessas situações, revelar e manter a Mediação em curso, ou não revelar e interromper o procedimento, é negociação mandatória entre mediadores e mediandos.

Em síntese: nós, mediadores, precisamos levar para as Mediações competências que faltam aos mediandos durante a negociação. Não porque eles não as tenham, necessariamente, mas porque as tomadas de decisão sob tensão reduzem nossa capacidade cognitiva e ampliam nossos vieses.

As listas de benefícios e de impactos acima podem e devem ser ampliadas. O texto não as esgota. Sua intenção é trazer à reflexão temas que somente a prática revela como relevantes!

COMEDIAÇÃO

A Comediação viabiliza análise mais ampla das situações e, consequentemente, intervenções mais complexas e mais abrangentes. Por que minha experiência constrói essa afirmação? Quando comecei a atuar como mediadora, trabalhava solo – à época, década de 1990, havia poucos pares que eu pudesse convidar para a comediação.

O que hoje me faz preferir o trabalho em dupla são os benefícios que coletei, comparando as duas possibilidades de atuar. Seguem alguns:

Nossa percepção é sempre enviesada – parto do pressuposto de que somos construídos socialmente a partir do lugar, momento e família em que nascemos, e que respiramos o ar dessa ambiência e de seus paradigmas durante o nosso desenvolvimento – um mix de crenças que contribuem para a nossa cultura em particular. Não à toa escolhemos o que estudar e com o que trabalhar, acentuando ou esmaecendo convicções.

Desde o início da nossa existência, passamos a compor camadas de uma lente transparente com a qual vemos o mundo, os eventos e as pessoas. Por isso, somos únicos em nossas análises das situações, atitudes e condutas perante a vida. A lente que utilizamos restringe nosso olhar e tende a enxergar o que converge com nossos valores e formas de pensar, tanto quanto tende a recusar ou deixar passar despercebido o que não guarda coerência com ela.

A emoção participa 100% do tempo em que atuamos – os afetos e os sentimentos correspondentes aos nossos pontos de vista integram pari passu nossas atitudes e atuações, e não seria diferente com os mediadores e os mediados. Sendo assim, uma dupla de mediadores acolhe bem melhor o turbilhão de emoções trazido pelos mediados, e, em par, galga uma isenção emocional maior nessa administração.

A complementaridade de dois mind sets a convicção sobre nossa singularidade, crenças e vieses já seria suficiente para perceber que dois mapas mentais, oriundos de duas pessoas distintas, avaliando e decidindo sobre como intervir numa situação oferecem distinções e uma possível complementaridade em suas ações. Convergindo por similaridade ou complementaridade, ou ainda, divergindo em suas análises, todas as contribuições de uma dupla de mediadores agregam informação a ser considerada.

A complementaridade de gênero traz, certamente, temperos adicionais à atuação. A diversidade étnica, igualmente. São todas experiências particulares que acrescentam nuances importantes às nossas lentes. Se a formação acadêmica for distinta, maior ainda o valor agregado. Essa é minha composição favorita para atuar em Mediação.

A possibilidade de atuar com diferentes duplas – a atuação continuada de uma mesma dupla de mediadores gera uma interação que, aos poucos, cria seu próprio glossário de significados percebidos muitas vezes apenas pela troca de olhares. Ao mesmo tempo, variar de dupla enriquece as performances de ambos, na minha experiência. É como ter vários amigos. A interação é diferente com cada um, o que desperta em nós um atuar diverso. Os possíveis ruídos entre o par – antes, durante ou após as sessões – devem ser sempre objeto de conversa e entendimento, como fazemos com os amigos.

Seria necessário o conhecimento prévio daquele com quem vamos atuar? Não, necessariamente. Tenho registro de resultado muito insatisfatório ao trabalhar em parceria com profissional com quem tinha amizade prévia, e com a mesma natureza de formação em Mediação que a minha. E tenho registro de resultado extremamente satisfatório ao trabalhar, pela primeira vez, com parceria desconhecida, pessoa de outra nacionalidade e idioma.

O preparo indispensável na comediação – seja qual for o perfil do encontro, é mister o preparo para a atuação a dois: mapear junto ou complementarmente a situação que será objeto da interferência é mandatório. Trocar análises, hipóteses e possibilidades de intervenção é indispensável. Conversar antes, durante e depois da sessão de facilitação, desenhar juntos estratégias de condução e identificar premissas para cada intervenção, é regra.

Uma dupla bem preparada para atuar em campo, considerando como objeto de preparo cada aspecto singular aventado acima, certamente viabiliza análise mais ampla das situações e, consequentemente, intervenções mais complexas e mais abrangentes.