CONSTRUÇÃO DE CONSENSO
um instrumento contemporâneo e democrático para formatação de políticas públicas[1]
Tania Almeida[2]
Rafael Alves de Almeida[3]
A construção de consenso, como método factível, participativo e inclusivo, articula-se diretamente com os ideais democráticos[4], ao possibilitar a criação de espaços de deliberação participativa no interior dos processos de tomada de decisão. Quando este procedimento é adotado, torna-se possível perceber que resultados consensuais são possíveis tanto para a gestão e a tomada de decisões como para a administração de conflitos, na esfera pública e privada.
Novas formas de participação civil têm sido ensaiadas e mesmo sua consecução inserida em legislações específicas. Envolver os cidadãos no processo de tomada de decisões que afetam diretamente suas vidas transformou-se em uma necessidade de primeira ordem nas democracias contemporâneas. Trata-se de pensar em novas iniciativas para se promover a participação voluntária e organizada[5].
A participação dos cidadãos contribui não somente para legitimar os processos decisórios deliberativos, mas também, e principalmente, os resultados obtidos. Quando os cidadãos participam do processo decisório por intermédio da construção de consenso, assumem para si a responsabilidade e compromisso pela implantação dos resultados alcançados.
Neste contexto, torna-se também crucial revitalizar o sentimento e as aspirações dos cidadãos para que possam incrementar sua participação na definição dos rumos da sociedade. Em reforço a esta idéia, prof. Joaquim Falcão[6] leciona:
A consolidação e expansão da cidadania democrática é assunto muito sério para ser deixado apenas nas mãos dos governos. Ou ser limitado apenas ao momento eleitoral. Ampliar a participação da sociedade civil no processo decisório de suas cidades é a principal tarefa, hoje, da própria sociedade civil.
Vera Schattan P. Coelho e Marcos Nobre[7] refletem que:
[…] a simples participação sem um entendimento esclarecido, pode ser cega, ameaçando o próprio valor da participação.
[…] A hipótese que conduz as diferentes investigações é a de que a criação de novos mecanismos de participação e deliberação mais diretas e ativas nos processos de definição de políticas poderá levar a formas mais eficazes de resposta a carências e necessidades sociais. Adicionalmente, para algumas dessas investigações, o resultado é não apenas maior eficácia, mas também um adensamento dos processos de formação política da opinião e da vontade que se refletem qualitativamente no desempenho institucional dos novos atores.
A teoria deliberativa sustenta que a capacidade da democracia em produzir verdades morais (decisões justas e corretas) depende da participação ativa e refletida dos cidadãos ao longo do processo de discussão e tomada de decisão.
Entender a metodologia de construção de consenso pressupõe um exercício anterior de aceitação da diversidade de posições e de interesses existentes entre as partes envolvidas como elemento essencial para se obter resultados satisfatórios[8].
Trata-se de vislumbrar a hipótese de se desconstruir padrões predominantes ou inconscientes, nos quais cabe somente aos gestores dizer como as ações devem ser implementadas, para se adotar uma tentativa legítima de alcançar resultados mais satisfatórios e sustentáveis a partir da inclusão das percepções (óticas) e alternativas – criativas e inovadoras – oferecidas também, por aqueles que serão afetados por tais resultados.
A metodologia de construção de consenso possibilita criar novos espaços de participação e deliberação, que não somente desafiam as estruturas vigentes, mas também permitem, paralelamente, a compensação das desigualdades materiais e subjetivas entre cidadãos nos processos ordinários de tomadas de decisões.
Em seu famoso livro Breaking Robert`s Rules, Lawrence Susskind e Jeffrey Cruikshank[9] assinalam que: “Consensus building is a way for a group or organization to reach a nearly unanimous agreement, and then implement that agreement successfully.”
Archon Fung[10] explicita que:
[…] Injetar a participação direta, mobilizada, deliberativa do cidadão na governança democrática pode favorecer as vozes daqueles em desvantagem e assim oferecer um antídoto procedimental que aumenta a eqüidade da legislação e da elaboração de políticas.
A construção de consenso consiste também em um instrumento especialmente útil para diálogos que envolvam múltiplas partes e interesses que devam ser articulados na propositura de normas, projetos, acordos ou ações que visem ao benefício e à satisfação mútuos, assim como à preservação das diferenças entre os envolvidos.
Trata-se de procedimento flexível, em essência bastante transparente e que guarda para si autenticidade singular, no sentido de que cada processo é único e não tem por objetivo primordial obter como resultado a unanimidade[11]. Tem como característica basilar a possibilidade de em sua dinâmica equilibrar desigualdades de recursos cognitivos, financeiros e de capacidade argumentativa entre os participantes. E, o produto final, o consenso propriamente dito, é alcançado a partir das manifestações/deliberações produzidas por participantes informados do processo a que estão submetidos.
O princípio fundamental da construção de consenso é a possibilidade de manter-se em desacordo. Mesmo discordando, os participantes devem propor ajustes ao que difere do seu ponto de vista, de modo a poder conviver com algo ou forma de pensar que difira da sua, expressa no projeto ou no acordo por outrem apresentado.
Durante o processo de construção de consenso, cada um dos participantes tem a possibilidade de oferecer modos bastante diversos de pensar, de dar sentido ao contexto existente, e de construir narrativas sobre como percebem o mundo à sua volta. Tais diferenças ou desacordos são bem-vindos ao processo e decorrem, naturalmente, de formas diversas de raciocínio e percepção que cada um expressa ou possui sobre a realidade em que vive.
A construção de consenso depende da atuação de facilitadores e mediadores que auxiliam na organização e desenvolvimento de sua dinâmica, de forma que todos os participantes possam trazer à mesa toda a energia necessária para focar na questão em pauta.
Na construção de consenso a facilitação de diálogos tem caráter inclusivo, característica essencial dos processos colaborativos destinados à prevenção e à resolução de conflitos multipartes. Semelhante ao instituto da mediação, a facilitação de diálogos utiliza-se de suas ferramentas e está essencialmente voltada para as situações em que várias partes necessitam negociar diferenças e construir soluções de benefício mútuo.
A facilitação de diálogo pode ser explicada a priori como técnica que visa ao entendimento e permite que um terceiro (ou equipe de terceiros), desinteressado, independente e imparcial, auxilie em sua organização de forma a possibilitar decisões conjuntas, participativas e flexíveis baseadas no consenso.
É importante perceber que muitas pessoas em situações novas ou adversas têm propensão a emitir, de forma consciente ou não, juízos de valor consubstanciados nas mais diversas experiências e valores, de natureza cultural, religiosa, política, econômica, dentre outras. Tais pré-julgamentos, fundados ou não nas experiências retrógradas de cada um, positivas ou não, tornam, geralmente, mais complexas, para cada indivíduo, as tentativas de negociar suas diferentes percepções e pontos de vista quando em grupo. Sem perceber isto, as pessoas se retraem, inibem sua espontaneidade e até dissuadem (intimidam) outras a pensar, opinar ou mesmo dizer diferente do que pensam sobre aquilo que se discute. Esforços para se explorar complexidades são desencorajados a favor de julgamentos superficiais.
A facilitação de diálogos propicia a troca de informações, a exposição de posições e a apresentação de interesses e valores, além de, fundamentalmente, possibilitar que todos escutem e legitimem o que outros têm a dizer. A ampliação qualitativa da comunicação é oportunizada a todos e o aprendizado provocado pela experiência pode ser transposto para outros contextos e situações.
Dialogar implica, fundamentalmente, em expressar com clareza as próprias idéias, em escutar o outro e em admitir que uma percepção diferente da própria possa existir e ser legítima. Para ouvir necessita-se, exclusivamente, de um aparelho auditivo funcionante. Para escutar, no entanto, é imperioso dedicar atenção ao que é dito e, mais do que isso, considerar o que é dito como possibilidade, mesmo que diferindo do que se pensa ou se propõe. Muita informação se perde e, consequentemente, perdem-se inúmeras possibilidades de entendimento quando as pessoas envolvidas em uma conversa ouvem sem escutar de maneira inclusiva.
A participação em um processo de facilitação de diálogos possibilita adquirir consciência sobre as circunstâncias (núcleo e contornos) da situação que a motiva, sobre uma escuta qualificada e sobre uma tomada de decisões de natureza inclusiva. Os participantes desse processo, movidos por suas novas percepções e/ou discernimentos sobre determinado assunto ou questão, passam a propor ações de mútuo benefício. A participação e a concordância de todos na construção de propostas advindas dessa qualidade de participação geram em cada um (e em todos) um senso de responsabilidade por sua implantação.
O processo participativo permite a qualquer grupo ou mesmo organização perceber o vasto capital intelectual de seus membros e propiciar maior organização e desempenho no processo de tomada de decisões. Busca-se, com a facilitação de diálogos em processos participativos, que as partes envolvidas se tornem as próprias arquitetas de seu futuro, principalmente, no que tange às suas próprias decisões e as conseqüências daí resultantes.
Semelhante à mediação interpartes, o facilitador deve ser uma pessoa neutra quanto ao conteúdo examinado (content neutrality). Não deve, em nenhum momento, emitir opinião ou tomar partido em qualquer das questões trazidas/levantadas pelas partes, ou mesmo demonstrar interesse no resultado a ser obtido. Ao facilitador é requerido que se mantenha sempre focado na idéia de contribuir para que os todos os participantes tenham à sua disposição as ferramentas necessárias para desenhar (construir) suas próprias soluções para os seus questionamentos. É seu dever também identificar, conforme for o caso, a necessidade de encaminhar as partes para a consulta a pareceres técnicos sobre determinados temas, de forma a zelar por decisões qualificadas, ou seja, bem informadas.
Entende-se que na facilitação de diálogos entre grupos, o facilitador deve propugnar por formas de condução inclusivas e abertas, capazes de equilibrar a participação de todos, de forma a incrementar a produtividade das reuniões e a eficiência dos resultados, em um ambiente psicologicamente seguro no qual todos os membros dos diversos grupos representados possam participar ativamente e se sentir ouvidos.
O facilitador de diálogo auxilia grupos e organizações a trabalharem de forma mais eficaz e colaborativa para se alcançar sinergias. Ele encoraja a participação integral e aberta das partes envolvidas, promove compreensão mútua (entender a perspectiva dos outros), propugna por soluções inclusivas e cultiva a divisão de responsabilidades. Tais aspectos são considerados valores essenciais em um processo de tomada de decisão participativa em grupos. O facilitador funciona como um verdadeiro “guia do diálogo”, assistindo as partes no processo de percepção e reflexão sobre seus posições, interesses e valores.
Há várias técnicas à disposição dos facilitadores para honrar a diversidade de perspectivas e os pontos de vista existentes nos grupos.
A melhor solução de uma disputa é aquela que se origina de uma bem sucedida integração entre pontos de vista divergentes da qual todos os envolvidos puderam participar em sua constituição, após terem manifestado, mediante reflexão, sua concordância justificada com o resultado obtido.
Construir consenso por meio de um diálogo participativo e inclusivo[12], na escuta e na formulação de propostas é, portanto, identificado como importante princípio dessa prática. Todos os envolvidos na questão devem ser sempre ouvidos e ver contemplados seus interesses e valores no texto do acordo, do projeto construído, nas normas pensadas ou nas ações a serem implantadas.
A oportunidade de participação igualitária no processo de construção de consenso coaduna com os anseios de uma sociedade democrática[13]. A participação é livre e inclusiva, acolhe os representantes de diferentes grupos e é conduzida mediante procedimentos conhecidos, negociados e aceitos por todos de antemão (ground rules).
Neste ponto, é interessante destacar algumas reflexões da profa. Sandra Jovchelovitch[14], resultantes de seu exame da relação entre saber e contexto através de uma nova análise dos processos de representação:
A representação […] está na base de todos os sistemas de saber e compreender sua gênese, desenvolvimento e modo de concretização na vida social, nos fornece a chave para entender a relação que amarra o conhecimento à pessoa, a comunidades e mundos da vida. É por meio da representação que podemos compreender tanto a diversidade como a expressividade de todos os sistemas de conhecimento.
[…] Procuro então demonstrar que há uma relação entre o tipo de esfera pública de uma comunidade e a forma de saber que produz; a análise da forma representacional (Eu-Outro-Objeto) é a chave conceitual básica para o entendimento tanto do saber como da esfera pública de comunidades.
[…] Representações coletivas correspondem bem à estrutura de esferas públicas tradicionais, mas as condições que caracterizam esferas públicas destradicionalizadas hoje demandam novas formas de saber social, mais capazes de acomodar diversidade em perspectiva e pluralidade em horizontes de vida.
[…] A formação da representação é uma tarefa pública, um processo contexto-dependente vinculado às condições sociais, políticas e históricas que configuram contextos determinados.
Com esta metodologia, assegura-se a autonomia de todos os indivíduos e grupos participantes (dentro do processo de comunicação interpartes), fato que contribui ainda mais para reforçar o compromisso com a consecução dos resultados obtidos. Todos são previamente informados dos procedimentos e regras a serem adotados e são tratados de forma igualitária, com a mesma oportunidade franqueada para se expressar, debater, opinar e decidir as questões. Tais aspectos possibilitam a conciliação e a acomodação de uma multiplicidade de interesses, valores e objetivos durante o processo.
A construção de consenso privilegia também, em reforço ao identificado acima na citação da profa. Sandra Jovchelovitch, a possibilidade de coexistência de diferentes perspectivas, da pluralidade de soluções e da simultaneidade de diálogos entre representantes e entre esses e seus representados. A mesma autora assinala que “a representação é uma construção ativa de atores sociais”[15] e seu trabalho é multifacetado e se move incessantemente do individual ao social e vice-versa.
Pela participação, indivíduos e grupos de cidadãos não somente têm a oportunidade de vislumbrar seus interesses representados, mas também de revelar o que realmente consideram importante, as inter-relações em que estão implicados e a natureza dos mundos sociais que habitam.
O consenso construído é traduzido em um texto-resumo (Texto Único), que articula as ideias de todos de maneira cuidadosa e inclusiva – sem abrir mão de nenhuma delas – para que nele os diferentes atores reconheçam, além de seus interesses e valores, os aportes de outros participantes do grupo de diálogos, distintos do seu ponto de vista.
O consenso obtido exige, a seu turno, conciliação e certo grau de empatia reflexiva entre os diversos interesses e valores das partes envolvidas. Trata-se (consenso) de um produto final com alto grau de identidade coletiva entre os participantes e que vincula todos a partir de razões mutuamente aceitáveis[16]. De certa forma, o consenso funciona como critério de validação e legitimação das ações humanas[17].
Há na doutrina especializada a identificação de diversas etapas relativas à dinâmica de construção de consenso, e dentre elas acentua-se neste estudo o desenvolvimento de três importantes fases[18], que identificamos serem comuns a todos as apresentações: (i) a pré-negocial, (ii) a negocial e (iii) a de implementação ou pós-negocial.
A primeira fase ou pré-negocial é o momento em que o processo ganha vida. É preciso que um dos atores ou alguém externo à questão sugira a utilização do instrumento e a procura de um terceiro desinteressado para coordená-lo. De maneira geral, regidos por preconceitos culturais, as pessoas recusam o papel de ser aquele que propõe o diálogo em situações adversas, pelo temor de demonstrar algum tipo de fraqueza. Nestes casos, alguém não diretamente envolvido na questão se apresenta para desempenhar essa tarefa, o que é de grande valia.
A partir de então, o terceiro facilitador inicia o mapeamento da situação, incluindo a identificação de todos os atores envolvidos, o entendimento individual e grupal sobre a questão e as tentativas de abordagem feitas até aquele momento.
Entrevistados, um a um, esses atores auxiliam a identificar outros mais e a discriminar os interesses e valores que necessitam ser atendidos na negociação. Importante nesta fase é conseguir trazer à mesa as pessoas certas com seus interesses clarificados e as expectativas corretas com relação ao processo de diálogo. Para isso, às vezes é necessário que sejam realizadas uma pré-avaliação e clarificação dos interesses das partes que provavelmente serão afetadas pela decisão a ser tomada, e uma etapa pedagógica que ofereça informações sobre a natureza inclusiva, participativa e consensual do processo de diálogo.
A título de exemplo, com base na experiência daqueles que têm utilizado o instrumento em políticas públicas, tem-se percebido que, nestas hipóteses, é melhor, que no princípio haja um grande número de atores identificados do que um número reduzido. No entanto, admite-se ao longo do processo que ocorra determinada redução no número de participantes, ou por motivo próprio ou pela identificação de semelhança de interesses já representados.
Além das tarefas já identificadas acima, o facilitador (ou equipe de facilitadores) auxilia também na tarefa de eleger representantes para cada grupo entrevistado, assim como na identificação de que alguns interesses são comuns a diferentes grupos e podem ser representados por outros.
Os representantes selecionados podem mudar ao longo do processo, de acordo com sua disponibilidade, habilidades e conhecimento específico para aportar a um determinado momento da negociação. Vale relembrar que um aporte de caráter pedagógico relativo aos princípios e à postura requeridos pela construção de consenso pode ser necessário.
Ainda nessa etapa, três outras atividades serão coordenadas pelo terceiro facilitador: (i) construir uma agenda de trabalho, (ii) desenhar os protocolos que nortearão a negociação e (iii) identificar a necessidade da participação de especialistas no processo:
- construir a agenda de trabalho – trata-se de atividade seguinte às entrevistas feitas. A agenda será montada em grupos de assuntos a serem abordados, titulados de acordo com os temas ou os interesses e os valores identificados no contato com cada grupo. Cada grupo deve reconhecer na agenda que seus interesses e necessidades serão objeto da mesa de negociação. A agenda não deve ser tão curta que não discrimine os diferentes temas, nem tão longa que provoque desestímulo;
- desenhar os protocolos – consiste em regras que nortearão a condução e a participação na dinâmica de trabalho – essa tarefa inicial pode ser revista a cada etapa do diálogo. Os protocolos, ou ground rules, devem ser escritos para que sirvam de referência na condução do processo e na participação de todos. Eles precisam responder a diferentes questões: onde ocorrerão as reuniões; com que periodicidade e por quanto tempo; como a palavra será dada a cada participante; como os atores devem atuar em situações de discordância e de concordância; como lidar com os pretensos observadores e com a imprensa; como cada representante manejará o que foi construído nas reuniões com o grupo que representa. Sugeridas pelo terceiro facilitador, essas regras devem ser validadas e ampliadas, ou mesmo enxutas, pelos participantes;
- identificar a necessidade da participação de especialistas – deve-se ao fato de alguns temas, em especial os relativos à políticas públicas, requererem, com enorme frequência, pareceres técnicos, assim como ao fato de as partes terem, na maioria das vezes, conhecimento desbalanceado sobre os assuntos a serem tratados. A questão-chave é: o que sabemos e o que não sabemos sobre os temas, contexto e experiências relativos a essa questão / disputa? Os pareceres técnicos devem ser administrados com transparência. Todos devem ter acesso às informações técnicas aportadas ao processo.
Nesta segunda fase, ou negocial, o terceiro facilitador estimulará todos os atores, por meio do diálogo entre os representantes e entre esses e seus representados, a construírem opções de ganho e benefício mútuos. Ele coordenará o diálogo entre os representantes e, se necessário, entre esses e seus representados.
A confiança no processo é essencial, pois permite comprometer-se com a proposta no sentido de ter o ânimo necessário para se buscar as soluções e não “se levantar da mesa”. Sem confiança não há razão para se continuar conversando com as demais partes. Tal confiança se consegue mediante a manutenção de um equilíbrio na participação das partes envolvidas, evitando-se que se estabeleça um monopólio da palavra.
A esperada utilidade de cada intervenção (baseadas especialmente em perguntas) feita pelo facilitador não está somente na capacidade de ajudar a reformular a visão de cada participante sobre suas crenças – conhecimentos e contextos -, mas, também, na possibilidade de ajudar em sua clara expressão e escuta de natureza inclusiva, de forma a ampliar disponibilidades para legitimar diferenças e construir soluções de mútuo benefício.
À medida que o processo de comunicação se desenvolve entre as partes, é possível começar a se projetar uma forma de organizar as possibilidades de cooperação rumo à solução consensual.
Cabe aqui lembrar alguns protocolos fundamentais para a operacionalização e otimização desse trabalho:
- os Textos Únicos devem incluir os aportes (interesses e valores) de todos os participantes do diálogo;
- para que isso ocorra, vale a pena ter em mente que eles contemplarão, também, opiniões diferentes daquelas de cada pessoa ou grupo representado no diálogo. Em função disso, todos os participantes devem lê-los procurando encontrar suas idéias, interesses e valores, assim como passagens, palavras ou expressões, que representem suas opiniões e as de outros, especialmente aquelas que discordem frontalmente das suas. Nesse caso, utilizam a ground rule consequente;
- na hipótese de o texto incluir opiniões, palavras ou expressões de que discordem frontalmente ou que não gostariam que integrassem o texto-resumo final, qualquer participante pode oferecer sugestões de troca e de adequação pontuais, tendo em mente que todas as idéias aportadas precisam estar contempladas. Assim, as ofertas devem procurar sempre atender aos interesses de todos. O objetivo é traduzir a diversidade do grupo dialogante em um texto com o qual cada um possa conviver, mesmo discordando. Ao questionar, é preciso oferecer alternativas construtivas que atendam a todos;
- na discordância, pode-se fazer perguntas objetivas com a intenção de entender o ponto de vista do outro (e não de contestá-lo); é recomendável que se avalie sempre a necessidade de comentários e perguntas longos de forma a evitá-los, se possível, nesse tipo de diálogo;
- quando o diálogo se dá entre representantes de categorias ou grupos, tem que se ter em mente que cada um será porta-voz da idéia de seu grupo, e não de sua própria;
- durante esta fase deve-se seguir a agenda proposta, com objetividade, de forma a se otimizar o tempo de todos e o trabalho que estará sendo construído a muitas mãos;
- podem-se aceitar idéias ou opiniões dentro do espectro: “concordo plenamente”, “é uma boa ideia”, “é uma opinião suportável”; e oferecer uma alternativa construtiva se forem ideias (concepções) com as quais se tenha reserva, sérias preocupações ou, ainda, se considere que não devam integrar o texto final.
Cabe ao facilitador a redação do texto inicial que condensará todos os interesses e valores identificados nas entrevistas com cada grupo, e dos outros textos advindos das negociações entre os representantes e entre esses e seus representados. Por vezes, os assuntos são condensados em pacotes temáticos e apresentados aos representantes para serem levados aos seus grupos.
Com a recolheita dos textos após a aprovação pelos diferentes grupos, o facilitador procederá à nova redação (tantas quanto forem necessárias), mantendo em paralelo a coordenação do diálogo entre todos, segundo as ground rules. Com isso, o facilitador objetiva manter o comprometimento e a corresponsabilidade de todos com o que for proposto no texto único final consolidado.
A ratificação do texto único final é atribuição delicada. O passo a passo do protocolo auxiliará a cuidar das etapas anteriores à redação do texto, facilitando esse desfecho. Caso o texto final diga respeito a um acordo, algumas contingências podem estar previstas para que o acordo seja revisto, assim como algumas condições podem ser determinantes para o seu cumprimento.
Na fase de implementação, ou pós-negocial, o terceiro facilitador deve desempenhar três importantes tarefas: (i) viabilizar que os acordos informais transformem-se em decisões formais, (ii) sugerir e possibilitar monitoramento do que foi acordado e (iii) criar um contexto favorável a possíveis renegociações.
Formalizar os acordos informais exigirá o acesso aos órgãos de competência e o trânsito requerido pelo tema ou proposição. Monitorar a implantação pode requerer o desenho de um novo processo e a formação de uma equipe de acompanhamento, na medida em que implica uma série coordenada de ações. Criar um contexto para renegociação fica regido pelo compromisso anteriormente assumido: o que poderemos fazer na eventualidade de algo, ou alguma contingência, não permitir que o acordado se cumpra na íntegra? Abrir uma renegociação com essa previsão é mais fácil do que iniciar o processo de construção de consenso novamente.
Com o esclarecimento do conceito de construção de consenso a partir dos referenciais estabelecidos, torna-se possível vislumbrar a utilização desta metodologia como uma categoria importante a ser considerada no processo de formatação de políticas públicas, estas consideradas como sendo o ambiente ideal para aplicação prática desta por meio da facilitação de diálogos.
Percebe-se que no cenário atual, no qual o poder político e as normas legais têm ênfase, e onde a experiência já demonstrou que as soluções verticais deixam de ser muitas das vezes cumpridas ou implementadas, pelo simples fato de não terem sido contemplados os interesses e valores de todos os envolvidos, a horizontalidade observada na construção de consenso permitiria o manejo destes impasses mediante a coordenação efetiva e organizada das diferenças entre os atores.
O conteúdo das políticas públicas, em qualquer tempo e lugar, dependeria crucialmente do peso relativo às ponderações e intervenções de cada participante dentro do processo de construção de consenso. E como exemplos plausíveis da aplicabilidade da construção de consenso na formatação de políticas públicas, destacam-se a gestão de conflitos multipartes, a elaboração de projetos e o desenho de ações, assim como a elaboração de regulamentações negociadas em âmbito público.
Maria Paula Dallari Bucci[19] elucida que:
Pensar em política pública é buscar a coordenação, seja na atuação dos Poderes Públicos, Executivo, Legislativo e Judiciário, seja entre os níveis federativos, seja no interior do Governo, entre as várias pastas, e seja, ainda, considerando a interação entre organismos da sociedade civil e o Estado. Por essa razão tem crescido a importância, na gestão pública, de instrumentos consensuais como os convênios e consórcios.
Cristiane Derani[20], por sua vez, assinala que:
Uma sociedade mais democrática, mais consciente, com instrumentos de maior participação, é uma sociedade em que a política pública conterá de maneira mais fiel a força decisória da sociedade. Uma sociedade poderá conter campo e competência para realização de políticas públicas, porém isto não significa que será uma política pública democrática.
Além de atender aos interesses e valores de todos os envolvidos na questão posta em debate, a metodologia de construção de consenso possibilita a preservação da relação social futura dos atores participantes, quesito primordial na determinação das agendas de políticas públicas e na escolha do desenho (design) institucional.
Dentro deste contexto, é imperioso pensar no desenvolvimento de processos de comunicação nos quais os diversos atores (sujeitos sociais) possam também se situar. A participação nas deliberações é regulada por normas de igualdade e simetria. Todos os participantes têm as mesmas oportunidades de iniciar atos de fala, questionar, ser ouvido, interrogar e abrir debates. Ocorre por meio desta participação maior engajamento cívico e incitação de todos a participar e deliberar. Os resultados obtidos são assim validados por todos, o que de fato legitima o processo deliberativo de tomada de decisões.
Cria-se com isso as bases para o surgimento de uma relação mais harmoniosa e legítima entre a sociedade civil e o Estado, resultado da adesão racional da sociedade a um conjunto de medidas concretas, políticas, ou programas que esta ajudou a formular, decidir e muitas vezes executar[21].
A legitimidade é assegurada pela aceitação dos participantes dos procedimentos pelos quais a construção de consenso adquire responsividade às suas ponderações e intervenções geradas na própria dinâmica do processo.
O Brasil, seguindo essa tendência, tem na lei que regula a Política Nacional de Recursos Hídricos (9433/97), um exemplo de proposta de resolução de conflitos e de composição de interesses, pautada na demanda de construção de consenso. Há a seguinte menção em seu texto, no Fundamento VI, do Capítulo I: “a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades.” Além disso, a Resolução nº 5, de 10 de abril de 2000, que trata dos Comitês de Bacia Hidrográfica, em parágrafo primeiro, do seu artigo 1º, dispôs o seguinte: “Os Comitês de Bacia Hidrográfica são órgãos colegiados com atribuições normativas, deliberativas e consultivas a serem exercidas na bacia hidrográfica de sua jurisdição.”
Vale a pena trazer à baila uma experiência brasileira que tem demonstrado obter excelente resultados[22], trata-se do Orçamento Participativo, em pleno curso em alguns municípios na região sul.
Esta modalidade de orçamento (ou sua estruturação/planejamento) se dá mediante o estabelecimento de uma etapa prévia na definição do orçamento municipal, que é, primeiramente, da competência do Poder Executivo e, depois, do Poder Legislativo locais.
Esta etapa consiste em uma discussão preliminar e ampla com a comunidade, através de suas organizações, sobre as prioridades políticas e os projetos a serem financiados. Busca-se identificar as melhores e mais eficientes maneiras para gastar o dinheiro de sua cidade.
Com esta metodologia de construção de consenso, tenta-se criar um espaço de diálogo construtivo entre os diversos representantes da dinâmica democrática – indivíduo, povo, entidades, o Executivo e o Legislativo.
Injetar a participação direta, mobilizada, deliberativa do cidadão na governança democrática favorece as vozes daqueles em desvantagem e assim oferece um antídoto procedimental que aumenta a equidade da legislação e da elaboração de políticas[23].
No âmbito da prevenção e resolução de conflitos inerentes à dinâmica das políticas públicas, a construção de consenso encontra especial aplicabilidade. Neste contexto, os conflitos articulam múltiplos fatores: procedimentos, relacionamentos e substância. Os métodos de resolução usuais ocupam-se, em especial, dos aspectos relacionados à substância e aos procedimentos, deixando muitas vezes de lado os relacionamentos. Seriam considerados mais apropriados, então, aqueles que pudessem se ocupar, de modo equilibrado, desses três aspectos, de forma a favorecer por meio de sua articulação o cumprimento do acordado.
Necessária se faz a utilização de instrumentos que possibilitem o balanceamento do conhecimento técnico e do fator poder, com a responsabilidade pela prevenção e resolução dos conflitos e pela sustentabilidade das soluções, de forma a atender igualmente aos múltiplos interesses da rede de atores, viabilizando ações compartilhadas, construídas em co-autoria. Entende-se que tais ações propiciariam não somente a sustentabilidade necessária às soluções eleitas, mas também a resistência a possíveis mudanças cíclicas de poder.
Conclusão
Despertar confiança e interesse, saber ouvir, cooperar, respeitar e buscar soluções criativas e inovadoras são ações e requisitos essenciais para o sucesso de qualquer atividade coletiva, participativa e deliberativa orquestrada pelo método de construção de consenso.
A construção de consenso é uma metodologia pautada na necessidade contemporânea de autocomposição de diferenças por meio do diálogo. Essa necessidade apresenta-se nos contextos de convivência, dos mais simples aos mais complexos, variando de situações existentes em comunidades, organizações, redes de stakeholders, mercados comuns, assim como na política internacional. O diálogo participativo e inclusivo – aquele que não exclui nenhum ator ou interesse – é instrumento de prestígio na atualidade e permeia os processos de convivência e de gestão.
Trata-se de metodologia que consolida a democracia quando cria espaços de deliberação e estabelece regras do jogo estáveis e consolidadas (institucionalizadas) tendentes a promover resultados consensuais para as mais diversas situações. E os envolvidos participam da construção da solução do problema ajustada às perspectivas de uma futura convivência harmoniosa.
Um dos desafios centrais no exame dos resultados obtidos consiste em questionar se sua validade, no que tange à participação e à deliberação de alguns, pode ser legitimamente considerada como fruto da participação e deliberação de todos. Como garantir a legitimidade das decisões coletivas alcançadas em processos deliberativos quando se sabe que, em situações concretas, a maioria dos afetados não participa dessas decisões?[24]
É necessário que se pense em novas formas institucionais de pluralismo social, político e econômico. Pensar em democracia não como um fim, mas como um início, e neste percurso, se assim podemos chamá-lo, aos cidadãos recomenda-se seja franqueado o acesso e os meios necessários para que possam concretizar o ideal de participar também na gestão pública.
Se por um lado, a sociedade civil se organiza, por outro, a administração pública se abre através de inúmeros conselhos, audiências públicas, parcerias, consultas técnicas etc.[25].
Fazendo uso do que Paulo Todescan Lessa Mattos[26] prescreve, avaliar as condições decisórias sobre a formulação de políticas públicas pode ser uma tarefa realizada a partir do Direito e não apenas da Ciência Política. Faz-se necessário trabalhar com um modelo de análise que dê conta da complexidade das relações sociais próprias do estado contemporâneo de Direito.
Paralelamente, é importante que este modelo seja capaz de nos fornecer os elementos necessários para o surgimento de uma proposta de desenho institucional (possivelmente crítica) que nos auxilie na busca de novas, eficazes e eficientes modalidades de participação popular e democrática.
Acreditamos que seja possível a metodologia de construção de consenso ser encarada como uma proposta legítima para um novo estilo de gestão mais participativa, e, por consequência, mais eficiente e satisfatória, e com ampla capacidade de ser replicada nos diversos segmentos da administração pública.
Neste sentido, pela importância crescente da questão em tela, faz-se mister progressiva investigação teórica e empírica para que a metodologia de construção de consenso se efetive como alternativa factível e eficaz de arranjo institucional, de forma a propiciar legitimidade participativa no processo de tomada de decisão, especificamente no que concerne à formatação de políticas públicas em um estado democrático de Direito.
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JOVCHELOVITCH, Sandra. Os Contextos do Saber. Representações, comunidade e cultura. Petrópolis: Vozes, 2007.
KANER, Sam. Facilitators Guide to Participatory Decision-Making. USA: Jossey-Bass, 2007.
MATTOS, Paulo Todescan Lessa. O Novo Estado Regulador no Brasil. Eficiência e Legitimidade. São Paulo: Singular, 2006.
MIRANDA, Pontes. Democracia, Liberdade e Igualdade. Os três caminhos. São Paulo: Livraria José Olympio, 1945.
SUSSKIND, Lawrence, CRUIKSHANK, Jeffrey. Breaking the Impasse: consensual approaches to resolving public disputes. S.l.: Basic Books, 1987
SUSSKIND, Lawrence E., CRUIKSHANK, Jeffrey L. Breaking Robert’s Rules: the new way to run your meeting build consensus, and get results. New York: Oxford, 2006.
SUSSKIND, Lawrence, MCKEARNAN, Sarah, THOMAS-LARMER, Jennifer. The Consensus Building Handbook: a comprehensive guide to reaching agreement. Thousand Oaks, CA: Sage, 1999.
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[1] ALMEIDA, Rafael Alves de; ALMEIDA, Tania. (2012). Construção de Consenso: instrumento democrático e contemporâneo para formatação de políticas públicas. In. NETO, Adolfo Braga; SALES, Lilia Maia de Moraes. (orgs)Aspectos atuais sobre a mediação e outros métodos extra e judiciais de resolução de conflitos. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2012, p. 314-330.
[2] Mestre em Mediação de Conflitos. Presidente do MEDIARE – Diálogos e Processos Decisórios. Pós-Graduada em Neuropsiquiatria, Psicanálise, Sociologia e Gestão Empresarial. Médica.
[3] Doutor em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento pelo Instituto de Economia da UFRJ. Mestre em Direito pela London School of Economics. Mestre em Regulação e Concorrência pela UCAM. Formado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Coordenador da Pós-graduação lato sensu em Direito da FGV DIREITO RIO. Membro do Conselho Diretor do MEDIARE. Advogado e Economista.
[4] UGARTE, Pedro Salazar. Que participação para qual Democracia? In. COELHO, Vera Schattan P.; NOBRE, Marcos (orgs.). Participação e Deliberação. Teoria Democrática e Experiências Institucionais no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 95: “[…] democracia e participação são conceitos entrelaçados”.
[5] FALCÃO, Joaquim. Democracia, Direito e Terceiro Setor. Rio de Janeiro: FGV, 2004, p. 50 e 57: “[…] a democracia é o processo de criação, circulação e distribuição igualitária do bem social. Ou melhor, é justamente a institucionalização da participação igualitária dos cidadãos no processo de decisão sobre sua cidade, sobre seu país. […] Romper com o monopólio da representação eleitoral é, sobretudo aceitar que outras formas de representação social sejam também legítimas. Sejam aceitas pelos cidadãos e possam solucionar problemas. Sejam capazes de consenso e eficiência. Se o cidadão individualmente é o agente principal da democracia representativa, na democracia participativa, o agente principal são as múltiplas organizações.”
[6] Idid., p. 51.
[7] COELHO, Vera Schattan P.; NOBRE, Marcos (orgs.). Participação e Deliberação. Teoria Democrática e Experiências Institucionais no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 12, 14 e 15.
[8] SUSSKIND, Lawrence E., CRUIKSHANK, Jeffrey L. Breaking the Impasse. Consensual Approaches to Resolving Public Disputes. USA: Basic Books, 1987, p. 10: Though our representative democracy – with its separate levels and branches of government – is the foundation of our political system, we need to improve the ways in which we use it to resolve public disputes. We must achieve better results at lower cost. In particular, we need to find ways of dealing with differences that will restore public confidence in government, and improve relationship among the various segments of our society.”
[9] SUSSKIND, Lawrence E., CRUIKSHANK, Jeffrey L. Breaking Robert’s Rules: the new way to run your meeting build consensus, and get results. New York: Oxford, 2006, p. 3.
[10] FUNG, Archon. Receitas para Esferas Públicas: Oito Desenhos Institucionais e suas Conseqüências. In. COELHO, Vera Schattan P.; NOBRE, Marcos (orgs.). Participação e Deliberação. Teoria Democrática e Experiências Institucionais no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 177.
[11] SUSSKIND, Lawrence E., CRUIKSHANK, Jeffrey L. op. cit., p. 19: “[…] build solidarity and agreement broadly, across your group`s membership, and to get most members of the group to buy into a shared judgment by the end of the process. It`s about building consensus, one brick at a time. Collectively, you work toward a shared solution. You search for something that everybody, or almost everybody, can live with.”
[12] JOVCHELOVITCH, Sandra. Os Contextos do Saber. Representações, comunidade e cultura. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 23: “2) Diferentes modalidades de representação trazem à tona diferentes formas de saber. O conhecimento é um fenômeno plural e heterogêneo que compreende racionalidades múltiplas, cujas lógicas não são definidas por uma norma transcendental, mas estão relacionadas à pragmática dos contextos. A diversidade do conhecimento expressa a diversidade dos mundos subjetivos, intersubjetivos e objetivos representados em suas diferentes formas. 3) Compreender a heterogeneidade do conhecimento implica desmontar a representação social tradicional que vê o conhecimento em termos de uma escala progressiva em que formas superiores de conhecimento substituem formas inferiores. Há coexistência e não deslocamento de saberes; estes respondem a necessidades diferentes e desempenham diferentes funções na vida social. A diversidade do conhecimento humano é um patrimônio disponível a todas as comunidades humanas e o diálogo entre diferentes formas de saber constitui o difícil, mas indispensável, recurso que pode ampliar as fronteiras de todos os tipos de saber.
[13] UGARTE, Pedro Salazar. Op. Cit., p. 98-99: […] Como se sabe, existem diferentes versões e definições de “democracia deliberativa”, mas todas compartilham dois elementos fundamentais: 1) a idéia de que na tomada de decisões coletivas devem participar todos os potenciais destinatários das mesmas ou, em sua falta, seus representantes; 2) a idéia de que a tomada das decisões deve ser o resultado de um intercâmbio de argumentos entre os participantes que, durante a discussão, devem respeitar os critérios de imparcialidade e de racionalidade. A primeira idéia constitui o elemento democrático da teoria, e a segunda representa seu elemento propriamente deliberativo. São muitos os representantes desta atrativa e relativamente recente teoria mas, sem dúvida, o expoente mais destacado é Jürgen Habermas. Para ele “o elemento central do processo democrático é o procedimento da política deliberativa”. […] Para os deliberativistas, […] os cidadãos estão inspirados por um espírito cooperativo, atuam com razoabilidade […] e se respeitam mutuamente. […] a teoria deliberativa […] sustenta que a capacidade da democracia para produzir verdades morais (decisões justas e corretas) depende da participação ativa e refletida dos cidadãos durante o processo deliberativo e na tomada das decisões. A participação é a fonte de legitimidade e de justificação moral da democracia e, por isso mesmo, representa o valor político de maior grau.” SUSSKIND, Lawrence E., CRUIKSHANK, Jeffrey L. op. cit., p. 158: “[…] Consensus building is a way of shaping democratic involvement and making it more efficient.”
[14] JOVCHELOVITCH, op. cit., p. 21, 25 e 36.
[15] JOVCHELOVITCH, op. cit., p. 70.
[16] ARAUJO, Cícero. Razão Política, Bem Comum e Decisão Democrática. In. COELHO, Vera Schattan P.; NOBRE, Marcos (orgs.). Participação e Deliberação. Teoria Democrática e Experiências Institucionais no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 160: “A deliberação não é simplesmente uma prévia discussão das questões a serem decididas. Trata-se, isso sim, de uma discussão que almeja justificar as decisões coletivas com “razões”. Porém, não quaisquer razões, mas aquelas que fundamentariam a decisão numa concepção de “bem comum”. Pois ao se disporem a comunicar-se uns com os outros, os cidadãos não visam apenas deixar públicos quais os interesses que gostariam de ver promovidos: visam também a um “entendimento mútuo” – uma busca apoiada na convicção de que os membros daquela comunidade política compartilham objetivos comuns.
[17] GOMES, Luiz Roberto. Educação e Consenso em Habermas. Campinas: Alínea, 2007, p. 28.
[18] SUSSKIND, Lawrence E., CRUIKSHANK, Jeffrey L. op. cit. 2006, p. 4. Estes autores identificam o processo em cinco etapas: “[…] Convening. This means agreeing to use a particular decision-making process (CBA), defining the problem, agreeing who needs to be at the table and how to get them there, and completing some of the other preliminaries for a productive dialogue. Assigning roles and responsibilities. This involves clarifying who will be in charge, specifying the ground rules, defining the role of the facilitator (i.e., either an outside professional or someone from within the group), making sure someone is keeping track of what has been decided, and laying out the rules about how observers may participate. Facilitating group problem solving. This is about generating mutually advantageous proposals and confronting disagreements in a respectful way. Effective problem solving draws upon the best available information and ensures that a range of possible solutions, including some that no one may have thought of before, are considered in an effort to do everything possible to meet the concerns of all the participants. Reaching agreement. “Deciding” isn`t as simple as “voting”. It`s about coming as close as possible to meeting the most important interests of everyone concerned, and documenting how and why an agreement was reached. Holding people to their commitments. This involves more than each person simply doing what they promised. It`s also about keeping the parties in touch with each other so that unexpected problems can be addressed together.”
[19] BUCCI, Maria Paula Dallari Bucci. O conceito de política pública em Direito. In. BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas Públicas. Reflexões sobre o Conceito Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 44.
[20] DERANI, Cristiane. Política Pública e a Norma Política. In. BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas Públicas. Reflexões sobre o Conceito Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 135.
[21] PEREZ, Marcos Augusto. A Participação da Sociedade na Formulação, Decisão e Execução das Políticas Públicas. In. BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas Públicas. Reflexões sobre o Conceito Jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 168.
[22] Ver WAMPLER, Brian; AVRITZER, Leonardo. Públicos Participativos: Sociedade Civil e Novas Instituições no Brasil Democrático. In. COELHO, Vera Schattan P.; NOBRE, Marcos (orgs.). Participação e Deliberação. Teoria Democrática e Experiências Institucionais no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 210-238. P. 211-212: “Organizações da sociedade civil têm promovido reformulações institucionais como meio para desafiar o legado de relações sociais hierárquicas, que gerou uma arena pública confinada e o controle patrimonial do Estado, os quais têm caracterizado o processo histórico de construção da nação (nation building) e modernização (no Brasil)”. […] A idéia de Públicos Participativos compreende cidadãos organizados que buscam superar a exclusão social e política por meio da deliberação pública, da promoção de transparência e responsabilização (accountability) e da implementação de suas preferências políticas”.
[23] FUNG, op. cit., 177.
[24] DRYZEK, John S. Legitimidade e Economia na Democracia Deliberativa. In. COELHO, Vera Schattan P.; NOBRE, Marcos (orgs.). Participação e Deliberação. Teoria Democrática e Experiências Institucionais no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 41-62.
[25] FALCÃO, op. Cit., p. 87.
[26] MATTOS, Paulo Todescan Lessa. Regulação Econômica e Social e Participação Pública no Brasil. In. COELHO, Vera Schattan P.; NOBRE, Marcos (orgs.). Participação e Deliberação. Teoria Democrática e Experiências Institucionais no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 317.
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