Por Tania Almeida*

O livro Caixa de Ferramentas em Mediação – aportes práticos e teóricos (Dash Editora) inaugura o projeto Leia Comigo. Assim como na minha formação, a multidisciplinaridade é uma forte característica da obra, que não prestigia linhas de pesquisa ou aportes teórico-práticos particulares. 

A interdisciplinaridade proporciona maior riqueza de propósitos e de intervenções para a Mediação. Contribui, ainda, para uma diversidade de ferramentas que, reunidas, devem estar a serviço do tema mediado, do perfil dos mediandos, do timing, do estilo do mediador, do impacto que se pretende promover ou alcançar.

O título apresenta algumas singularidades, como a possibilidade de consulta rápida a um recurso prático disponível no Capítulo I, e o acesso imediato ao substrato teórico que o embasa, contemplado no Capítulo II.

O critério da seleção a seguir foi trazer à memória intervenções sutis e pouco mencionadas nas docências e leituras, e complementá-las com reflexões coletadas em anos de prática. Todos os destaques são dirigidos aos mediadores na sua tarefa de coordenar o diálogo.

Mediador: escuta atenta e plural 

É preciso estarmos atentos sobre a possibilidade de a colonização dos discursos impelir mediadores e mediandos a perseguirem uma pauta única, com o objetivo de identificar soluções para um tema em particular. O foco no primeiro discurso apresentado, o assunto mais impactante (para os mediandos, ou até para o próprio mediador), ou aquele exposto com maior veemência, são exemplos. 

Na Mediação, todas as pautas são multitemáticas, uma vez que os conflitos são multifatoriais – podem ter caráter relacional, financeiro, social, legal, dentre outros. A direção do diálogo será sempre aquela prestigiada pelos envolvidos, mas a diversidade de temas e de visões precisará ser assinalada pela lente multifocal dos mediadores.

Ajudar os envolvidos a articularem necessidades e possibilidades é o filtro de realidade que permite enxugar algumas negociações. Esse irrefutável cenário imposto pela realidade coloca todos os implicados em ação para alcançar o consenso: quem tem necessidades pouco passíveis de serem atendidas precisa priorizá-las; e quem tem possibilidades menores do que as requeridas para atender o outro precisa tentar ampliá-las.

Aqui pego uma carona para falar do mediador como agente de realidade, trazendo-a sob os pés dos mediandos, especialmente quanto à factibilidade e à exequibilidade dos entendimentos alcançados, peneira por onde devem passar todas as alternativas de solução.

 

 “A CONFORMIDADE DE VALORES DESCONSTRÓI IMPASSES E DRIBLA DIVERGÊNCIAS”.

 

A convergência de ideias fica bastante favorecida se a escuta dos mediadores puder, permanentemente, transformar “ou” em “e”. O antagonismo de ideias por vezes avança até a proposição de alternativas, e perceber como elas se complementam é tarefa do mediador. Essa escuta diferenciada, que tudo registra e tenta aproximar, precisa também estar atenta aos valores morais e éticos trazidos à mesa. A conformidade de valores desconstrói impasses e dribla divergências.

As repetições e as falas veementes tendem a expressar prioridades – no apuro de sua escuta, mediadores têm nesse registro uma informação importante para esclarecer e, por consequência, acolher e legitimar. Por vezes, a pauta da repetição ou da exaltação está habitada por valores intangíveis, especialmente o reconhecimento, a confiança e o respeito, que precisam ganhar concretude quando traduzidos em atos. Esclarecer sobre o significado de palavras ou expressões abstratas – transformando-as em ações – também é tarefa de mediadores. 

O que é preciso acontecer para a confiança ser resgatada, o respeito retomado ou os envolvidos se sentirem reconhecidos?


Para finalizar nossa leitura de hoje, um pout-pourri
de reflexões:

(i) sempre conferir o tempo necessário a cada etapa da Mediação, para que o melhor de todas as etapas seja explorado e possamos “aumentar a torta” (
expend the pie) antes de fatiá-la;

(ii) as perguntas autoimplicativas oferecidas nas entrevistas privadas convidam cada mediando a identificar sua contribuição para o desentendimento – quando todos podem se perceber como parte do problema, precisam, consequentemente, se implicar na solução;

(iii) vamos tomar cuidado para que mediandos sempre saiam da sala com a percepção de que foram ouvidos e entendidos, e de que sua presença e oferta de informações foram acolhidas e valorizadas – os resumos são excelente ferramenta para provocar essa percepção;

(iv) por fim, deixemos sempre os números para o final da conversa. Os dados numéricos ancoram percepções e alternativas (mais do que X ou menos do que X) e só devem aparecer quando a torta já foi ampliada. Aí, sim, é hora de fatiar!

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Caixa de Ferramentas em Mediação – aportes práticos e teóricos, de Tania Almeida
Dash Editora, 2014 – 1ª edição
352 páginas

No próximo Leia Comigo, vamos visitar as ideias e ferramentas práticas de Daniel Shapiro, em seu livro Negociando o Inegociável. Até lá!

 

*Tania Almeida – Mestre em Mediação de Conflitos e Facilitadora de Diálogos entre pessoas físicas e/ou jurídicas. Há 40 anos desenha e coordena processos de diálogo voltados ao mapeamento, à prevenção de crises, à administração de mudanças e à resolução de conflitos. É idealizadora e fundadora do Sistema MEDIARE, um conjunto de três entidades dedicadas ao diálogo – pesquisas, prestação de serviços, ensino e projetos sociais.

 

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